Sob Total Controle
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Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan, Suzanne Hillinger
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Totally Under Control
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2020
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EUA
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
O leitor perdoe o exercício de futurologia, mas Sob Total Controle (2020) tem potencial para se tornar um ótimo documento para as gerações futuras. Quando nossos filhos nos perguntarem como foi a experiência da Covid-19, e de que maneira os Estados Unidos reagiram à crise sanitária, o filme dirigido por Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger fornecerá uma resposta clara, linear, dividida em datas e repleta de dados compreensíveis. O projeto revela Donald Trump na pele de um sujeito preocupado unicamente com a reeleição, disposto a minimizar a gravidade da doença, semear desinformação, propagar a cura através de remédios sem eficácia comprovada e culpar os Estados por ações de responsabilidade federal. Os brasileiros se enxergarão com facilidade no modus operandi tão agressivo (por culpar a tudo e a todos, da China aos prefeitos) quanto covarde (por não assumir responsabilidade, e se contradizer quando conveniente). Políticos, especialistas em saúde e antigos funcionários do governo proporcionam explicações precisas sobre o passo a passo da pandemia.
No entanto, o filme chega aos cinemas em 2020-2021, ao invés de 2040. Ele fornece uma reflexão sobre a crise em andamento a espectadores que dificilmente ignoram os efeitos da pandemia de Covid-19 em suas vidas e naquelas dos familiares. O trio de realizadores critica a demora nas respostas dos políticos, a campanha de fake news, o despreparo de ministros e secretários, entre outros. Trata-se do tema que inunda os noticiários há mais de um ano, ainda que em versões distintas: para a Fox News, Trump foi um presidente exemplar, esforçado em conter o avanço do vírus. Para o New York Times, o Washington Post e para os autores deste filme, ele foi o principal responsável pelo número expressivo de mortes. O documentário se mune de um discurso político unívoco, contrapondo-se à versão oficial da Casa Branca. A estratégia da denúncia corre alguns riscos, incluindo aquele de ordem retórica: a quem se destina esta mensagem? Diante de um olhar tão antirrepublicano, é difícil pensar que eleitores de Trump estejam dispostos a investir na sessão e reconsiderar suas posições políticas. Já as vozes críticas devem estar cientes de todas as acusações bem fundamentadas dos cineastas. Assim, receberão somente uma confirmação de seu ponto de vista.
Este tipo de abordagem levanta outros questionamentos. Primeiro, ele torna o resultado desatualizado: a versão final foi concluída antes do diagnóstico positivo de Covid-19 do presidente. Os letreiros finais correm para mencionar o máximo de informações ausentes, como se precisassem se desculpar pela necessidade de concluir a narrativa. A trajetória linear e cronológica sobre a pandemia persistente faz com que a cobertura soe parcial, não apenas no sentido ideológico, mas também histórico. No futuro, será impossível debater a crise atual sem incluir a guerra pelas vacinas, o forte racismo contra os chineses, as políticas de auxílio à população e outros temas apenas mencionados, ou ignorados pelo roteiro. Segundo, a direção depende demais da narração de Gibney para se opor ao discurso do presidente e de seus aliados. Teria sido mais frutífero permitir que as imagens se opusessem umas às outras, sem a necessidade do diretor-autor-narrador-professor dizendo ao espectador o que deveria pensar. Sob Total Controle não fornece elementos para a reflexão do espectador, preferindo lhe dizer qual conclusão tomar. Para uma obra ostensivamente política, a opção pela passividade do espectador representa uma estratégia contraproducente.
O projeto adota um caminho descritivo, sem esconder a vocação de palestra sobre a Covid-19. Os cineastas demonstram a preocupação em garantir que adotaram à risca as regras de segurança: cada entrevista é acompanhada de um pequeno making of revelando películas de proteção, máscaras, assentos sanitizados etc. No entanto, as ambições cinematográficas são deixadas em segundo plano diante da relevância do tema e do senso de urgência. Durante a menção a cada cidade, imagens genéricas de cartões postais desfilam pela tela. Em paralelo, diversos artifícios genéricos são empregados para preencher a duração de uma fala: fotos intercambiáveis de pessoas usando máscaras, tomadas aéreas de avenidas com movimento acelerado dos carros, animações do vírus se espalhando pela multidão e o congelamento de fotografias em tom de gravidade. O espectador encontra neste filme os exatos materiais e discurso que qualquer um poderia prever diante do tema. Ora, o que Gibney, Harutyunyan e Hillinger nos trazem além da constatação de uma tragédia e da breve cronologia do passado recente?
Sob Total Controle se conclui como uma obra com muito a dizer, porém pouco a mostrar. A imagem se limita a um suporte ilustrativo do som: menciona-se Trump enquanto a montagem oferece fotos de Trump; cita-se o médico Fauchi e o vemos em tela, e assim por diante. Não há dissonâncias, ambiguidades, metáforas ou atritos na junção entre som e imagem. As únicas filmagens criadas pelos cineastas decorrem de entrevistas posadas, completadas com extensa pesquisa de fotos, trechos de coletivas de imprensa e recortes de jornal. Dentro desta linguagem acadêmica, o resultado constitui o que se poderia chamar de um blockbuster documentário. Há fartos recursos de produção, além de contatos significativos para obter respostas de altos membros do governo norte-americano (sem surpresa, o ex-presidente e seus aliados se negaram a participar). Gibney elabora documentários competentes, ainda que presos à fórmula da reportagem. É possível que os autores enxerguem a si próprios enquanto jornalistas investigativos do audiovisual, ou ainda comunicadores e influenciadores, ao invés de artistas destinados a brincar com a forma, com o tempo, a textura da imagem e as possibilidades da montagem.
Filme visto online no 26º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, em abril de 2021.
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