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Crítica


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5 votos 9.6

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Sinopse

Júlio é um garoto invisível aos olhos dos colegas. Desprezado por Melina, a garota por quem é apaixonado, conta apenas com a solidariedade do melhor amigo, Cabeça. Depois de ser publicamente humilhado em uma excursão, Júlio vê no céu uma estrela cadente e faz um pedido para se transformar na pessoa mais popular da escola. Mas algo dá errado e ele acorda como a garota mais popular da escola: Júlia.

Crítica

A dinâmica da troca de corpos é volta e meia utilizada no cinema a fim de desenhar, por meio da chave fantástica, jornadas de protagonistas diante de aparentes encruzilhadas existenciais. Quando esse movimento é acrescido do elemento da transição entre gêneros há outras possibilidades a serem levadas em consideração, especialmente nos dias de hoje, em que definições cartesianamente binárias estão sendo colocadas em xeque. Porém, Socorro! Virei uma Garota não é um filme malsucedido em suas intenções, até as pura e simplesmente cômicas, estritamente por desprezar o atual cenário no que tange à parte dos componentes que deveriam lhe substanciar. Seu grande problema é a inabilidade para, ao menos, lançar mão de lugares-comuns e evitar determinados reducionismos bastante complicados que, por sua vez, reforçam velhos e surrados estereótipos. Senão vejamos. O protagonista é Julio (Victor Lamoglia), típico estudioso sem sucesso social e que, de quebra, nutre aquela paixonite quase secreta por Melina (Manu Gavassi), a colega mais cobiçada do pedaço.

Esse primeiro momento de Socorro! Virei uma Garota não funciona especialmente pela ausência de ritmo nas piadas e a inaptidão de Victor Lamoglia para criar um personagem minimamente distante de um arquétipo vazio. Em casa, o jovem sofre bullying do irmão (Kayky Brito) e do pai (Nelson Freitas). Na escola, apenas conversa com Cabeça (Léo Bahia), aluno igualmente pertencente à cadeia mais baixa da esfera da popularidade secundarista. Esse cenário inicial, repleto de entraves como a decupagem burocrática, gera uma dificuldade de adesão, algo levemente dissipado assim que, por efeito da mágica oriunda de estrelas cadentes, Júlio vira Julia (Thati Lopes). A atriz, com sua habilidade contumaz para criar variações engraçadas de situações aparentemente catastróficas, consegue atrair atenção para a agora protagonista garota. Todavia, o roteiro escrito por Paulo Cursino, além do esquematismo prevalente, coloca alguns pontos duvidosos quanto ao desenho de homens e mulheres, sem falar daquilo que diz respeito às questões de cunho homossexual.

Socorro! Virei uma Garota alterna (poucos) bons momentos com passagens em que o ímpeto humorístico trisca na grosseria, como a cena em que toca É Isso Aí, na voz de Ana Carolina e Seu Jorge, para emoldurar um flerte tão artificial quando tipificado entre Julia e a conhecida assumidamente lésbica. Para o bom entendedor o surgimento da voz melodiosa e forte da cantora dá o tom da brincadeira de mau gosto que aponta para algo sobressalente no filme, exatamente o reforço das convenções. I Kissed a Girl, de Kate Perry, é reutilizada de forma óbvia. A protagonista vive num mundo de futilidades, no qual os pontos cruciais são sapatos, bolsas, carros e pretendentes. Embora seja seduzida pelas benesses da popularidade, chegando a, como era de se esperar, negar a ajuda do amigo considerado “prego” pela perspectiva das amigas, ela gradativamente se torna uma pessoa melhor por ser homem. Aliás, a narrativa dá a entender que é essencial vivenciar na pele a depilação, a menstruação e afins, para, logo, encontrar um equilíbrio entre ser “perdedor” e “superficial”.

O único oásis em meio aos equívocos que sufocam Socorro! Virei uma Garota é o reencontro de Julia com a mãe. De resto, gracejos como a ânsia de vômito surgida sempre que a protagonista vai beijar um homem, bem como sua reação diante de certa revelação, dão a tônica no trabalho do cineasta Leandro Neri. Cabeça é tão e somente o escudeiro que auxilia incondicionalmente o seu amigão; Melina é restrita à posição de “a desejável”; e mesmo Júlio/Júlia valem o quanto pesam os aprendizados forçosos que o inusitado lhes traz. Sobram chistes sobre a diferença de genitálias, a vontade de virgens agarrarem seios, figuras unidimensionais e rótulos aderindo facilmente às pessoas por conta de sua superficialidade. O pai, todo estrepado por criar uma menina, é saudável ao ter dois meninos em casa. Um bom exemplo dessa visão enviesada que reproduz noções desgastadas. Para arrematar, os infortúnios do protagonista são depositados na sua conta, pois, ao ganhar confiança, vê o mundo lhe abrir voluntariamente todas as portas. É quase como dizer que a vítima é a culpada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Marcelo Müller
3
Roberto Cunha
7
MÉDIA
5

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