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Crítica


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Sinopse

Um oficial norte-americano a serviço do exército israelense é capturado. Filho de um senador estadunidense, ele se torna um refém estratégico para os agressores árabes. Cabe a uma equipe mista a missão de resgata-lo com vida.

Crítica

Diante do pedido do superior para se aposentar e evitar de ser morto em combate tão próximo de "pendurar as chuteiras", o oficial Flores (Amaury Nolasco) responde que não encontrará no cotidiano civil nada tão excitante quanto a vida em locais agitados por ferozes disputas armadas. Nesse diálogo aparentemente corriqueiro, há a medida do simplismo com o qual Soldado Anônimo: Lei do Retorno encara tudo o que diz respeito aos conflitos em meio aos quais se passa. De um lado, a suposta sensatez do Tio Sam simbolizada pelo militar de alta patente. Do outro, o vício em adrenalina que sequer é observado como um nocivo efeito colateral. O cineasta Don Michael Paul não estabelece relação entre as demandas obscuras do império estadunidense – que adora uma boa desculpa para intervir em territórios alheios – e os estilhaços deixados nos antes jovens que atenderam ao chamado do país a partir de uma lógica patriótica bastante questionável. Da mesma forma, a origem hispânica do indivíduo inclinado a seguir essa vocação cunhada nos campos de batalha é negligenciada, indício de que o cineasta deliberadamente deseja ficar num terreno superficial.

Soldado Anônimo: Lei do Retorno tem uma estrutura desengonçada, sobretudo a julgar pela forma desleixada de tratar temporalidades distintas apresentadas em paralelo. Num primeiro momento, pensamos que certos enredos alternados estão na mesma toada cronológica, mas não. E o que isso significa? Nada. De modo semelhante, ensaia-se um segundo protagonismo, o de Ronan (Devon Sawa), militar norte-americano de nascimento, mas servidor do exército de Israel, amparado na chamada Lei do Retorno – que confere a todos os judeus, originários de qualquer nação, direito a residência e cidadania. Don Michael Paul poderia aproveitar essa escolha para questionar nuances importantes, tais como ancestralidade e os laços bem mais profundos do que os estabelecidos pelas fronteiras geográficas. Porém, os detalhes atrelados aos personagens servem, com raríssimas exceções, como desculpas esfarrapadas para justificar os diálogos entre as genéricas cenas de tiroteio e medidas táticas. Há pouca tensão, muita lenga-lenga e um arremedo de observações políticas.

A luta entre árabes e israelenses é outro elemento mal articulado. Os primeiros são entendidos dentro de uma lógica desumanizadora. Não há abertura à compreensão das demandas dos povos árabes, estes desenhados em Soldado Anônimo: Lei do Retorno restritivamente como seres frios, calculistas e capazes de atos atrozes. Já os segundos são entendidos como bem articulados e líderes de atividades estratégicas em colaboração com os Estados Unidos. Mas, apesar desse abismo enorme entre as representações, nem dá para dizer que a produção defende algum lado, principalmente porque suas delineações sócio-políticas são absolutamente ineficientes. O roteiro acumula circunstâncias inicialmente encarregadas de injetar apreensão nessa missão principal que faz o filme assemelhar-se, no que diz respeito à premissa, a O Resgate do Soldado Ryan (1998). Contudo, diferentemente da grande produção de guerra de Steven Spielberg, aqui a reflexão a respeito do peso diferente que o Estado confere às vidas humanas empenhadas no confronto não vai além de uma solitária fala solene.

Para ampliar os contornos dramáticos de Soldado Anônimo: Lei do Retorno, Don Michael Paul tenta sinalizar que a orfandade é uma das maiores sequelas da guerra. Flores faz um par de ligações à filha nos Estados Unidos, prometendo voltar quando tudo acabar. Ora, sabemos bem o que acontece com quase aposentados diante da última missão que somente eles, com suas expertises sem iguais, poderiam executar, não? O filme abraça esse lugar-comum desavergonhadamente, nem chegando a cozinhar a sensação de que as coisas podem ser diferentes, ou seja, seguindo à risca seu itinerário telegrafado. Esse dado familiar também surge no elo de Ronan com o pai senador e no desespero da mulher grávida que teme pela morte do marido. No entanto, a utilização disso é tão capenga que tais segmentos poderiam simplesmente ser excluídos da montagem final sem prejuízo ao fraquíssimo resultado. Para arrematar, existem diversas incongruências, vide o desproporcional questionamento do refém com base na inscrição banal num relógio, além da direção de arte que faz determinados instantes, como a operação tática inicial, parecer uma mera partida de paintball.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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