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Sinopse

Solteira e bem-sucedida profissionalmente, Beatriz vê seu cotidiano virar de cabeça para baixo quando recebe a notícia de que está em pleno processo de menopausa precoce, isso aos 35 anos. A partir daí, ela  abraça uma missão obstinadamente: encontrar alguém com quem ter um filho.

Crítica

Todo filme se comunica, inexoravelmente, com a época em que é produzido. Partindo dessa premissa, Solteira Quase Surtando exibe um anacronismo no que tange à maneira como encara e desenvolve múltiplas questões relativas ao feminino, inclusive na seara da representação cinematográfica. E isso não deixa de ser surpreendente, principalmente porque o roteiro foi escrito por Mina Nercessian, aqui também encarregada do protagonismo. Para começo de conversa, Beatriz, a personagem principal, é uma trabalhadora inveterada, workaholic típica que investe mais tempo no desempenho de suas funções profissionais do que necessariamente no cultivo dos poucos vínculos afetivos. Temendo estar grávida, isso após mais de um mês de menstruação atrasada, ela consulta a médica de confiança para saber o veredito. Diagnosticada com menopausa precoce, se depara com o tempo de fertilidade se esgotando aos poucos. O que Beatriz faz, então? Resolve ter um filho. Mas o desejo motiva a caça desesperada de um pai. O que importa é “amarrar” alguém.

O verbo “amarrar” não foi utilizado ao acaso, principalmente porque Solteira Quase Surtando empilha lugares-comuns sobre relacionamentos e o feminino, sendo dos mais gritantes exatamente o desespero para esposar um pretendente qualquer. Nesse sentido, o filme de Caco Souza incorre na velha, desgastada e obsoleta dinâmica da mulher fazendo tudo e mais um pouco para conseguir o pretenso “prêmio maior”, neste caso um homem para chamar de seu. Nada de errado, a priori, com tal anseio. Entretanto, é bem objetável a forma como a trama desenha o caminho em direção ao êxito. Na essência, não é prevalente a verbalizada vontade de gerar vida e ter filhos, mas o atendimento da lógica preconcebida de criar uma família de contornos tradicionais. O tempo curto de Beatriz poderia apressar o seu ardor pela maternidade, pura e simplesmente, mas o que se vê na telona é o emaranhado de contratempos amorosos completamente debilitados e tolos.

Ainda no que concerne ao discurso de Solteira Quase Surtando, são acintosas outras noções ultrapassadas. Em diversos momentos da trama, coadjuvantes celebram magreza e falta de celulite como o suprassumo da existência humana. Nos bastidores de uma festa, por exemplo, mulheres falam da iminente entrada no salão como uma corrida desenfreada por pretendentes perfeitos, pontuando que eles precisam ser “ricos, bonitos e bem dotados”, propagando grosseiramente o arquétipo negativo da interesseira. Em meio às tomadas de cartões postais do Rio de Janeiro, tais como o Pão de Açúcar e o Cristo Redentor – expediente que parece um modo de contextualizar “para gringo ver” –, o filme apresenta levianamente os percalços de Ravi (Leandro Lima) e Gabriela (Letícia Birkheuer). Ele, o melhor amigo gay com dificuldades para se assumir perante a família. Ela, a irmã infeliz no casamento, a que largou a carreira literária para cuidar do âmbito doméstico.

Solteira Quase Surtando chega ao ápice dessa pegada tortuosa quando Beatriz culpa a irmã desconfiada de ser traída pelo marido. “Também, você se veste como uma Maria mijona”, responde a protagonista aos lamentos alheios, colocando nos ombros de Gabriela a responsabilidade por uma turbulência conjugal. Somada a isso, há a inconsistência de Beatriz. Difícil “compra-la” como obcecada por trabalho, bem como é árdua a missão de percebê-la verossímil nas demais conjunturas estabelecidas. Ela não convence na agência de publicidade e tampouco nas interações com amigos e familiares. Dessa forma, nem mesmo as curvas frágeis do roteiro atingem ressonância. Envolvimentos emocionais que vêm e vão num passe de mágica, conveniências para fazer a trama andar forçosamente, além da dificuldade para concatenar os tantos blocos do enredo, fazem do conjunto uma experiência penosa, tanto por ser antiquada como por vários problemas de ordem técnica.

Solteira Quase Surtando exibe uma falha gritante no tocante à dublagem, com falas dessincronizadas e até entonações claramente destoantes. A composição dos quadros é displicente, caracterizada por um artificialismo tão sobressalente quanto as inserções publicitárias esquemáticas. Embora a montagem igualmente tenha erros primários, difícil afirmar se estes são fruto especificamente do trabalho de edição ou o resultado do que deu para fazer com o material rodado. Fato é que há debilidades crassas em algumas transições entre planos, quando não um pingue-pongue enfadonho (plano/contraplano) nas conversas que, assim, soam muito postiças. Em determinados instantes beirando o amador, o longa-metragem apresenta inúmeras circunstâncias sendo tratadas negligentemente, tipifica especialmente as mulheres, dispõe fracos dramas periféricos para preencher espaço e acaba sendo uma jornada cansativa e retrógrada, para dizer o mínimo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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