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Sinopse

Philip Marlowe é um requisitado detetive particular contratado para encontrar o ex-amante de Clare Cavendish, herdeira de uma estrela hollywoodiana. Enquanto investiga, ele acaba desvendando os bastidores do cinema.

Crítica

Criação do escritor Raymond Chandler, o personagem Philip Marlowe foi levado aos cinemas em diversos filmes, interpretado por inúmeros astros de Hollywood, entre eles Humphrey Bogart (À Beira do Abismo, 1946), Robert Mitchum (O Último dos Valentões, 1975), Dick Powell (Até A Vista, Querida, 1946) e Elliott Gould (O Perigoso Adeus, 1973). Cinematograficamente falando, virou um dos ícones do chamado cinema noir, filão que trouxe tintas mais ambíguas ao período clássico Hollywoodiano (a Era de Ouro) com seus detetives andando na linha tênue entre e a lei a bandidagem, femmes fatales loiras e sexualmente agressivas, além de uma sociedade que esconde o seu lado menos glamoroso. Sombras de um Crime é baseado em A Loura de Olhos Negros, livro em que John Banville utiliza esse personagem consagrado do colega Chandler para novamente revelar as hipocrisias de uma cidade naturalmente ambivalente como Los Angeles. De um lado, a aura espetacular mantida pela existência de Hollywood, do outro, a fauna subterrânea que esconde a verdade sob a fina membrana do requinte. Dirigido pelo aclamado Neil Jordan, o filme traz todos esses ingredientes, assim se filiando integralmente àquilo que o noir tem de mais tradicional. No entanto, isso não quer dizer que o resultado seja condizente com a herança reutilizada. Pelo menos não em partes, pois a produção tem lá o seu charme.

Nessa trama que troca o preto e branco associado ao noir (por meio do qual luz e escuridão “batalham” a fim de enfatizar o clima) por uma imagem que valoriza o colorido dos cenários e dos figurinos, Philip Marlowe (Liam Neeson) é um sujeito tão perspicaz quanto ainda rápido no gatilho. Contratado pela loiríssima Clare (Diane Kruger) para encontrar o amante dela (dado como morto, mas que a mulher jura ter visto andando na rua), o herói é tragado gradativamente para um redemoinho que evidentemente coloca a sua vida em constante risco. Neil Jordan parece realmente disposto a contemplar os elementos canônicos do noir, o que nos sugere: é melhor ter cuidado com a demanda da contratante, evidentemente uma releitura reverente da femme fatale clássica que tem segundas intenções ao trazer alguém para o seu universo caótico. Assinado por Jordan e William Monahan, o roteiro desenha um percurso não menos comum no noir, com cada encontro levando a pistas novas que, por sua vez, aumentam o perigo ao protagonista e revelam aspectos de uma coletividade podre. Isso está devidamente reproduzido e aproveitado, mas falta ao longa-metragem o investimento na construção de uma atmosfera que faça o espectador não ser apenas informado sobre essas circunstâncias, mas a fim de que ele seja contemplado com a possibilidade de sentir o perigo, de temer pelos personagens, etc.

Esse tom reverencial adotado por Neil Jordan poderia ser o trunfo ideal para capturar a atenção dos cinéfilos, sobretudo a dos acostumados com o noir, uma espécie de piscada simbólica de amor compartilhado por esse filão que alguns consideram gênero. E essa cumplicidade até funciona na primeira meia hora como uma isca de interesse, afinal de contas Marlowe entra num universo potencialmente rico de ameaças e menções ao funcionamento escuso de Hollywood. Porém, com o passar do tempo, começa a pesar negativamente a incapacidade do filme de constituir um clima denso envolvendo a suposta sordidez da alta sociedade. Aliás, esta aí um componente que sobra nos noir clássicos e que falta em Sombras de um Crime: sordidez. Mais uma vez, a imundice e as obscenidades subterrâneas dessa sociedade de aparências estão contempladas pelo roteiro, mas de modo tão burocrático que não estabelecem uma sensação suficientemente consistente de “mundo em decomposição”. Falta uma vivacidade animando as conexões entre estrelas obsoletas, traficantes disfarçados de membros da alta sociedade, aspirantes a atores que ganham a vida ilicitamente, prostitutas, políticos e afins. No fim das contas, Marlowe transita por uma realidade repleta de crápulas, mas não há habilidade por parte da direção a fim de lapidar essa sordidez, então, muito mais anunciada do que elaborada.

Essa frouxidão é observada em outros departamentos essenciais do filme, como a utilização dos personagens. Marlowe, por exemplo, é apenas um detetive mais velho enredado numa situação que foge ao seu estrito controle. Suas conhecidas características não são essenciais ao comportamento protagonista ao longo do filme, sendo resumidas pelo ex-colega num bar. Sim, o coadjuvante simplesmente diz “você é assim, assado”, mas esses traços de personalidade não subsidiam as suas atitudes. De modo parecido, a rivalidade entre mãe e filha poderia ser melhor desenvolvida como espelhamento emocional e psicologicamente relevante – há uma tentativa de entender a hostilidade entre elas como fruto da dificuldade de cada uma encarar a si mesma. No entanto, Neil Jordan está mais preocupado em atingir todas as expectativas de um fã do noir, menos disposto a criar algo à sua maneira tendo como ponto de partida essa tradição. Indo um pouco mais longe no simbolismo da análise, é como se o realizador (que já teve dias melhores, certamente) estivesse querendo fazer uma espécie de paródia, mas sem utilizar os traços de ironia e/ou deboche. Ele enxerga o noir como filão a ser revivido, porém se contenta em gerar um zumbi, a criatura com traços humanos que carece de alma, de um sopro de vida. Neil Jordan bem poderia ter se espelhado no que fez Curtis Hanson em Los Angeles: Cidade Proibida (1997).

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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