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Sinopse

Donald Crowhurst é um célebre iatista que decide fazer de tudo para vencer a Golden Globe Race de 1968. No entanto, sua tentativa desastrada na competição acaba fazendo com que ele embarque em uma jornada perigosa e complexa.

Crítica

Colin Firth e Rachel Weisz são intérpretes que tiveram o auge de suas carreiras ao serem premiados no Oscar – ele por O Discurso do Rei (2010), ela por O Jardineiro Fiel (2005). Curiosamente, nenhum deles conseguiu uma nova indicação após as citadas vitórias, mesmo que tenham tentado muito – ele em longas como O Espião que Sabia Demais (2011), Uma Longa Viagem (2013) e O Mestre dos Gênios (2016), ela em títulos como A Informante (2010), Amor Profundo (2011) e Negação (2016), entre outros. Assim como estes, Somente o Mar Sabe parecia, ao menos enquanto projeto, ir de encontro às ambições de ambos: baseado em uma história real, dirigido por um realizador oscarizado e partindo de um texto de um roteirista de prestígio. O pacote, portanto, parecia perfeito. Há casos, no entanto, em que mesmo a melhor das combinações acaba falhando miseravelmente. E aqui temos um bom exemplo.

Somente o Mar Sabe conta a história de Donald Crowhurst (Firth), velejador amador inglês que, no final dos anos 1960, aceitou participar de uma competição de volta ao mundo navegando sozinho em uma embarcação por ele mesmo inventada. Em pouco mais de vinte minutos de trama, ele parte mar adentro. Durante a maior parte do enredo, ele estará sozinho em cena, a bordo do seu barco, frente às mais diversas adversidades. E se tal argumento soa enfadonho, essa percepção só não se confirma quando encontramos um astro com carisma suficiente para prender o olhar do espectador, e um diretor e roteirista e que realmente está consciente do desafio que tem pela frente e sabe exatamente qual caminho percorrer para obter o melhor da situação proposta, como foi o caso de Robert Redford e J. C. Chandor em Até o Fim (2013). Definitivamente, o mesmo não se repete dessa vez.

Acontece que Crowhurst, que partiu da Inglaterra, logo se dá conta da furada em que se meteu. Na altura da Ilha da Madeira – ou seja, ainda no continente europeu – ele começa a avaliar sua total inaptidão para a tarefa proposta. Porém, endividado até o pescoço, retornar ou desistir são opções que não estão ao seu alcance. Precisa seguir em frente, de um modo ou de outro. E a solução que encontra é, ao invés de continuar no percurso proposto, contornando o continente africano e seguindo em direção à Austrália até chegar às Américas e, ao cruzar o Cabo Horn, voltar pelo Atlântico até a Europa, ele simplesmente decide cruzar o oceano e seguir pela costa do Brasil e da Argentina, onde acaba ancorando (!) e, após ser ajudado por locais, voltar ao ponto de origem como se de fato tivesse percorrido o trajeto completo. O roteiro de Scott Z. Burns (parceiro habitual de Steven Soderbergh) é absolutamente linear, sem clímax nem expectativas, desenvolvendo-se de modo frio e distanciado, em águas calmas, quando o cenário de mentiras que desenha talvez exigisse mais chuvas e trovoadas.

Há, portanto, uma tentativa do diretor James Marsh – vencedor do Oscar pelo documentário O Equilibrista (2008) e responsável pelo irregular A Teoria de Tudo (2014) – em fazer de Somente o Mar Sabe um estudo de personagem. Analisa-se as reações de Crowhurst, como ele lida com as adversidades e o conflito de emoções que enfrenta em plena solidão. Mas é falho, carecendo de um relevo que justificasse uma demora sobre o indivíduo. No outro extremo, há lampejos que poderiam ser explorados, mas que acabam não recebendo o cuidado necessária: o descaso ao qual é relegada sua esposa (Weisz) e família, que acabam tendo que recorrer à ajuda do governo para se sustentarem na ausência do patriarca, e o trabalho que desenvolve seu assessor de imprensa (David Thewlis), mais preocupado em explorar na mídia os supostos feitos do cliente do que com a segurança do próprio. São pontos não muito inovadores e, tal qual como os percebemos no filme, são reduzidos a discursos edificantes e críticas clichês. Se houvesse uma real intenção em aprofundá-los, talvez o debate ganhasse, enfim, algum merecido destaque.

Ainda mais curioso, no entanto, é perceber que o poético batismo brasileiro vem de um direto The Mercy – algo como A Benção, ou A Misericórdia. E o mais curioso: quando o protagonista fala “the mercy” em seu diálogo, as legendas em português seguem a adaptação, ‘traduzindo’ como “somente o mar sabe”, o que soa inequivocamente confuso. Colin Firth é um ator não desprovido de méritos, mas quem o conhece sabe que o talento que domina está mais nas palavras e diálogos do que em composições físicas – exatamente o que aqui lhe é exigido. Rachel Weisz, por sua vez, acaba sendo reduzida a uma figura tão desprovida de atrativos quanto a personagem que tentou defender em A Luz Entre Oceanos (2016) – outro filme de temática marítima que prometia muito e entregava pouco, o que, aliás, deveria ter lhe servido de aviso para evitar o gênero. E assim, o que se vê é a narrativa de um fracasso anunciado, sem nenhuma reviravolta ou surpresa, em que tudo se desenvolve exatamente tal qual se previa. Se a intenção era justamente essa, parabéns. Apenas não imagine que um resultado como esse possa estar de acordo com um filme minimamente digno de atenção.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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