Crítica
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Sinopse
Histórias que abordam do folclore à irresponsabilidade dos homens. Contos sobre a vida e a morte como confluentes dentro de uma ideia maior de existência. A tradição e a honradez. A luta da natureza por sobrevivência. O humano.
Crítica
O humanismo presente, sobretudo, na última fase da filmografia de Akira Kurosawa adquire uma suntuosidade visual de encher os olhos em Sonhos. Diz-se que quase todos os segmentos são baseados em sonhos que o cineasta teve ao longo dos anos. Há algumas constantes nesses fragmentos exuberantes, sendo uma das principais a ligação umbilical entre vida e morte. Aqui, elas não são dimensões antagônicas, mas etapas confluentes à uma ideia maior de existência. Não à toa o filme se encerra com O Vilarejo dos Moinhos, de todos os contos o mais falado, no qual um festivo cortejo fúnebre é antecedido por uma reflexão extensa. Um forasteiro ouve do local centenário uma verdadeira aula sobre como a conveniência vem ganhando ares de desculpa esfarrapada para direcionar as pessoas ao abismo. Um alerta contra os imperativos do progresso. Esse diálogo deflagra a meditação desalentada a respeito da relação com a natureza, outro elemento recorrente nesse longa-metragem compassado, de andamento deliberadamente caudaloso, a ser sorvido com parcimônia.
Em O Jardim dos Pessegueiros a tradição é colocada a serviço de uma leitura melancólica da falta de deferência com os símbolos antigos, sendo vários deles exatamente os que compõem o meio ambiente. As bonecas características do Hinamatsuri, festival que ocorre anualmente na Primavera, ganham vida para chamar a atenção do menino quanto ao corte indiscriminado dos pessegueiros. Akira Kurosawa reserva aos episódios iniciais, como este, protagonizado por crianças, uma conexão lúdica com os elementos caros à cultura japonesa. Em O Raio de Sol Através da Chuva, a desobediência dos hábitos sagrados acarreta uma dívida cruel ao pequeno que precisa encarar o cenário idílico em busca do perdão das raposas. Se ele não conseguir, os costumes mandam que cometa o suicídio ritualístico a fim de pagar seu débito com os espíritos. Na medida em que avança, Sonhos passa a ter adultos como figuras centrais, até mesmo por isso encarando circunstâncias não menos líricas, mas condicionadas pela ganância como gatilho à danação dos homens.
Curiosamente, Corvos, no qual o cineasta Martin Scorsese interpretada nada menos do que o pintor holandês Vincent van Gogh, Kurosawa permite um leve desvio dos temas essenciais de Sonhos, focando-se no poder extasiante da arte, sua capacidade de oferecer leituras distintas da vida. É brilhante a mimetização dos quadros do artista plástico vista nas paisagens, bem como são muito bonitas as caminhadas literais do aspirante pelas telas do mestre que teima em lhe escapar. Como quase todo longa feito de partes relativamente autônomas, este é desigual, vide a pouca efetividade de A Tempestade, o bloco menos instigante do conjunto. Nele, homens lutam contra a ferocidade da natureza que, sabiamente, lhes oferece uma lição acerca de sua força e generosidade. Já o subsequente, O Túnel, utiliza com habilidade um ambiente simples, mais especificamente as duas pontas de um túnel ermo, construindo ali uma fábula sobre o senso de dever amplamente associado à cultura nipônica, ao mesmo tempo em que cita os horrores da guerra. Trata-se da amarga dispensa militar.
Em Monte Fuji em Chamas e O Demônio que Chora Akira Kurosawa aborda a ameaça atômica. No primeiro, a transformação das adjacências do Monte Fuji num inferno radioativo, o que leva os japoneses a escolher entre a morte paulatina, com mutações e outros sofrimentos lentos, e a pronta finitude de encontro ao mar. Já no segundo, uma sequência direta, o protagonista encontra um entorno arrasado pela radiação de outrora, no qual dentes-de-leão se agigantam e pessoas passam a ser categorizadas pela quantidade de chifres ostentados. Visualmente muito diferentes, mas ideologicamente complementares, são exacerbações potencialmente expressivas das preocupações com a energia atômica descontrolada e/ou utilizada de maneira bélica. “Até onde vai a estupidez humana?”, questiona o executivo arrependido, prestes a morrer por sua negligência. Sonhos é um belíssimo apanhado de contos que reafirma a genialidade de um então octogenário preocupado com a humanidade, mas especialmente disposto a contestar a necessidade de sepultar o passado em prol do futuro.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 8 |
Chico Fireman | 7 |
Bianca Zasso | 8 |
MÉDIA | 7.7 |
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