Sopro
Crítica
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Sinopse
A existência humana e os mistérios da vida e da morte a partir do cotidiano dos habitantes de uma pequena vila rural interiorana. Isoladas, as famílias experimentam uma relação única com a natureza, apequenadas diante da imensidão da paisagem.
Crítica
“Sopro é um criativo documentário sobre a existência humana e os mistérios da vida e da morte, visto a partir do dia a dia de uma pequena vila no meio do nada, no interior do Brasil, com as famílias que ali vivem há anos, completamente isoladas do mundo exterior”. Assim que se apresenta o trabalho de estreia no formato longa-metragem do diretor Marcos Pimentel, realizador até então de curtas na ativa desde 2014. E agora, quando completa uma década desde seu primeiro lançamento (o documentário em curta El Suelo y el Cielo, 2004), ele se volta para sua experiência mais radical, abrindo mão de artifícios e elementos externos para se fixar numa narrativa tão aberta quanto sensorial, em que busca justamente os limites do inexistente a partir daquilo que há, apesar de quase ninguém ver. Seria, portanto, o reflexo do tudo a partir do nada?
Contando com uma equipe reduzida e um objetivo claro em mente, Pimentel rumou até um isolado vilarejo no interior de Minas Gerais e lá realizou diversas visitas, entre junho de 2010 e novembro de 2011, preocupando-se apenas em registrar a rotina e as atividades daqueles cuja única preocupação é chegar até o fim do dia prontos para que no seguinte se comece tudo outra vez. As primeiras cenas focam-se nas neblinas da região, que aos poucos vão cobrindo todo o espaço de terra disponível. É, portanto, o convite para entrarmos em uma realidade mágica, paralela àquela das grandes cidades repletas de vidas conturbadas e situações conflitantes. Aqui, o eterno dura minutos, e cada passo serve apenas para deixar tudo como sempre esteve.
Há uma poesia constante por praticamente todo o filme. O diretor, no entanto, não entrega nada de mão beijada, ocupando-se apenas em selecionar o que será exposto e deixando à cargo do espectador a função de decifrar esse conjunto de imagens. A relação entre o boi morto, encontrado em pedaços atirados no campo e registrado no começo do longa, com o bezerro que precisa lutar sozinho para conseguir nascer do ventre de sua mãe solitária, se estabelece nos mais diversos níveis de leitura, reforçando uma verdade almejada pela obra em sua integridade. Afinal, por mais passageiros e instantâneos que sejam cada um destes aqui presentes, eles ainda assim existem. Mas, na ausência de testemunhas que comprovem sua valia, é de se questionar onde estaria a verdadeira função de vidas como essas, ocupadas apenas com o viver e morrer. Estabelece-se, portanto, como poucas vezes o cinema nacional se preocupou, a intrínseca sintonia entre a natureza e o homem.
Premiado internacionalmente, Sopro chama atenção também pela ausência quase que absoluta de diálogos – uma barreira difícil de ser transposta, mas que uma vez absorvida se torna quase irrelevante – e pela presença excessiva de crianças e idosos, em contraponto com a carência de adultos, sejam homens ou mulheres. O abandono se revela ainda maior, como se expostos ao vento e jogados numa amplitude sem indicativos para qual caminho seguir. Este microcosmo revelador da condição humana se revela, assim, vasto em suas intenções de mostrar, a partir de um, o todo ao qual estamos inseridos. Ambicioso, mas de execução extremamente simples. E, por isso mesmo, valioso.
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