Sinopse
Crítica
É salutar que coletivos como o Benzin estejam se movimentando no Brasil para conceber longas-metragens independentes. Qualquer pessoa que se interesse um pouco por cinema sabe das dificuldades em se trabalhar com audiovisual no país. Temos observado, felizmente, que esses obstáculos não impedem que produtoras indies lancem suas obras. Soroche é a primeira realização em longa-metragem assinada pelo coletivo, resultado de cinco anos de trabalho. Por ser um filme de estreia, obviamente algumas arestas poderiam ser aparadas, mas o patente entusiasmo da equipe na concepção de Soroche, atrelado à criatividade de diversas passagens, acaba por deixar o espectador mais aberto a essa experiência.
Na trama, acompanhamos o jovem Eddie (Diego Jordão) em sua errática trajetória no mundo do crime. Ele acorda num local inóspito, uma paisagem aberta e alva, machucado na cabeça, com dois homens descordados ao seu lado, sem ter ideia de como chegou até ali. A partir desse momento, somos transportados ao passado, com flashbacks dando indícios do que aconteceu. Sabemos que Eddie se meteu em algo maior que ele quando tirou do sério o criminoso Capivara (Roberto Marchese). Seu romance com a dúbia Moon (Ferdi Gi), a relação instável com o estranho Chaves (Sérgio Hondjakoff) e o encontro com o perigoso Cobra (Thaíde) são pontos importantes para entender a história de Eddie. Falar mais sobre a trama poderia estragar as surpresas do roteiro, que tem em sua narrativa não linear um de seus predicados.
Nota-se, de início, esmero do coletivo ao embarcar em uma viagem internacional para capturar imagens para o longa. Em 2012, o diretor Marco Matheus e sua equipe viajaram ao Chile e à Bolívia para as filmagens, captando 40% do material total no exterior. Só assim para que Soroche tivesse imagens tão impressionantes, como as cenas registradas no Deserto do Atacama e no Salar de Uyuni, a maior planície de sal do mundo. Matheus utiliza bem as paisagens e entende que conseguiria melhor resultado com o elenco nas locações. No mínimo corajoso, dado a verba curta que geralmente produções independentes possuem.
Além de chamar a atenção para os locais onde foram realizadas as filmagens, saltam aos olhos as referências utilizadas para a concepção da história. Embora o material de imprensa do longa cite textualmente o cinema de Danny Boyle, e sua predileção por trilhas sonoras eletrônicas, é possível enxergar influência do cinema de gangster de Guy Ritchie e, claro, Quentin Tarantino. A cena em que Thaíde coloca contra a parede a femme fatale Moon em seu apartamento é uma recriação bem-humorada de Pulp Fiction (1994) e seu Big Kahuna Burger. Além disso, a câmera sempre em movimento, com jeitão de videoclipe, deixa claras as inspirações modernas de Matheus e companhia.
Quem costuma viajar para locais famosos por altitude certamente já ouviu falar em soroche, o mal de altura. No roteiro do coletivo, podemos entender esse problema de diversas formas. Como o mal propriamente dito, visto que parte da história se passa na Bolívia. Mas também podemos ler algo mais profundo, já que Eddie dá um passo maior que a perna em sua tentativa de crescer. Estaria ele experimentando esse mal por sua ambição? A discussão poderia ir para o lado metafísico, já que, em dado momento, entendemos de forma mais clara onde alguns personagens se encontram. Por deixar algumas interpretações abertas, Soroche ganha valiosos pontos.
Embora tenha bons momentos, Soroche nunca esconde ser um trabalho de estreia, apresentando problemas que tendem a ser resolvidos com maior experiência. A performance do elenco novato é desigual, a trilha sonora é invasiva demais e alguns personagens poderiam ser limados sem maior prejuízo à história. Filmar seu primeiro longa-metragem é uma verdadeira prova de fogo e o Coletivo Benzin, que já tem curtas e videoclipes no currículo, mostra em Soroche, com seus erros e acertos, ter potencial para voos mais altos.
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