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Crítica


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Sinopse

Durante o carnaval em Salvador, a grande mídia foca nos trios elétricos e camarotes lotados por personalidades e artistas famosos. No entanto, quem são as pessoas anônimas, o povo, tão fundamentais para compor a histeria coletiva que sustenta o carnaval baiano há anos? Quais as origens da festa popular que é reconhecida mundialmente pela alegria e simpatia que reproduz durante os quatro dias - ou mais - de duração?

Crítica

Sou Carnaval de São Salvador possui dois pilares sobre os quais constrói a sua base. O primeiro é quantidade de material de arquivo à disposição do cineasta Márcio Cavalcante, ele que utiliza filmagens de várias décadas para oferecer um painel relativamente amplo da folia de Momo na urbe dos soteropolitanos. Imagens coloridas, desbotadas, de texturas e origens múltiplas garantem a abrangência informativa. O segundo, e mais determinante do ponto de vista estrutural, é a forma como a narração de João Miguel, cuja voz personifica a festa popular, entremeada por depoimentos capturados em diversas instâncias carnavalescas, cria a sensação sobressalente de propaganda. Somando a isso o fato do longa-metragem apenas anunciar, não se dispondo a propor análises dos meandros do objeto de estudo, há o resultado demasiadamente parecido com um vídeo institucional, menos pela celebração da alegria peculiar dos baianos, mais em virtude de sua pegada formal.

A metade inicial de Sou Carnaval de São Salvador possui boa consistência. Ela é fundamentada num resgate que visa contextualizar o carnaval baiano na História brasileira. O filme nos conduz por uma verdadeira viagem, no caminho se valendo de sinalizações importantes, embora rapidamente, como a herança indígena na folia que hoje se tornou um grande negócio, as formações dos blocos de rua, os afoxés e a contribuição vital de Dodô e Osmar com a criação do trio elétrico e da guitarra baiana. Assim, é possível acompanhar uma evolução regida por variações sociais, condicionada por interesses que, inclusive, fizeram com que a Axé Music estourasse nacionalmente nos anos 80 e 90. Quebrando esse fluxo elucidativo, lá pelas tantas, o realizador privilegia uma sucessão de testemunhos recentes com a voz do Carnaval enaltecendo os próprios “feitos”, o que aumenta a potência do viés publicitário que perpassa o conjunto integralmente. Isso acaba o restringindo.

No início da segunda metade de Sou Carnaval de São Salvador, o narrador afirma que irá deter-se dali em diante nos últimos cinco anos, supostamente se atendo às transformações recentes da folia, especialmente, por conta da crise econômica. O que se vê nesses 50 minutos é uma repetição de registros do divertimento nos quatro cantos de Salvador, demonstrações de poderio financeiro – vide os trios elétricos cheios de tecnologia, cada vez maiores, ganhando imponência com o passar dos anos –, e observações bem circunstanciais e frágeis de questões complexas. Um exemplo disso é a tentativa de trazer à baila as segregações nessa farra nascida generosa e democrática. Márcio Cavalcante somente aponta os camarotes e as famigeradas cordas como sintomas da estratificação visível, mas não dá um passo considerável em direção à reflexão acurada. Ele encara tais fenômenos com peso dramático semelhante ao vislumbre da comezinha euforia dos foliões nas ruas.

Nesse percurso catalogar de Sou Carnaval de São Salvador, há espaço para a menção célere de personalidades e grupos que ajudaram o carnaval de Salvador a se tornar um dos mais conhecidos e procurados do mundo. Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Claudia Leite, Luiz Caldas, Netinho, Chiclete com Banda, Banda Beijo, Timbalada, Olodum, Ricardo Chaves e Margareth Menezes são sublinhados apressadamente. A negritude da festa, as raízes africanas, o sincretismo que marca o soteropolitano e, por conseguinte, seus eventos populares, tudo está devidamente colocado, mas sem densidade, ocupando espaços meramente orientadores. Falta acesso às óbvias camadas. Incorrendo numa reiteração de procedimentos e até de dados, o documentário é feito sob medida para glorificar essa manifestação mutante que crescentemente adquiriu um contorno tipicamente brasileiro, pelo qual, aliás, somos identificados no mundo. Pena que o caráter institucional prevaleça.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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