Crítica
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Sinopse
Nascido escravizado, Spartacus trabalha para o Império Romando enquanto sonha com o fim da opressão. Ele acaba liderando uma revolta dos homens que vivem nas mesmas condições, se transformando num símbolo de liberdade.
Crítica
Reza a lenda que Kirk Douglas desejava ardentemente encabeçar o elenco do épico Ben-Hur (1959), mas o diretor William Wyler teria escolhido em seu lugar Charlton Heston, pensando ser este um protagonista melhor para seu filme. Verdade seja dita, Heston ficou perfeito no papel, um dos maiores vencedores do Oscar de todos os tempos. E com isso, como ficou Kirk Douglas? Desejoso em fazer seu próprio Ben-Hur, o ator resolveu produzir um épico no qual pudesse estrelar. E, assim, nasceu Spartacus. É bem verdade que, dependendo da fonte, a história é outra. Alguns dizem inclusive que Douglas teria recusado o papel que foi entregue a Charlton Heston. Para fins narrativos, vamos seguir com a primeira versão, muito mais cinematográfica.
Com diretor contratado – Anthony Mann, de Winchester 73 (1950) – e com um elenco cheio de estrelas, as filmagens começaram com problemas (pessoais). Anthony Mann e Kirk Douglas simplesmente não conseguiam se acertar nos sets e o astro se viu obrigado a demitir seu cineasta. Para apagar o incêndio, Douglas lembrou-se do jovem diretor que o havia comandado no elogiado Glória Feita de Sangue (1957), um rapaz por volta dos 30 anos chamado Stanley Kubrick. Desta forma, o hoje mítico cineasta entrou em uma barca que, apesar de interessantíssima e vencedora de quatro Oscar, se mostraria um tanto furada para os objetivos daquele genioso e genial profissional detrás das câmeras.
O script foi assinado por Dalton Trumbo, roteirista que estava na lista negra de Hollywood desde o período da caça às bruxas MacCartista e que ganhava uma chance de trabalho por insistência de Kirk Douglas. Ótima iniciativa, mas que eliminava para Kubrick a possibilidade de mexer no texto. O diretor também não tinha poder de decisão sobre o produto final, o que o fez nunca mais trabalhar neste sistema industrial. O cineasta era um autor e, portanto, precisaria de liberdade para montar seu filme – algo que viria a acontecer no futuro.
A história de Spartacus é ambientada antes do nascimento de Cristo e mostra a jornada do personagem título, um escravo que vira gladiador e que tenta libertar seus companheiros da opressão. Em seu caminho aparecem figuras como o ambicioso Gracchus (Charles Laughton), o maquiavélico Crassus (Laurence Olivier), o explorador Batiatus (Peter Ustinov, disparado o melhor do elenco), o fiel Antoninus (Tony Curtis) e a bela escrava Varinia (Jean Simmons). Spartacus é um homem de valor, um líder nato, um sujeito simples e honrado que luta pelos seus ideais. É isso que observamos durante os inchados 197 minutos de duração - um dos poucos pontos fracos do filme, se arrastando em alguns momentos.
Kirk Douglas é um astro apropriado para a tarefa e convence completamente como uma figura de liderança para os escravos de então. Sua ternura para com Varinia, depois de um primeiro encontro conturbado em sua cela, desperta naquela mulher o amor que viria a salvar a existência de Spartacus – ao menos, de alguma forma. Como é de praxe nos filmes de Kubrick – mesmo este não sendo um trabalho 100% de sua autoria – o desfecho da trama não tem aquele happy end que muitos poderiam esperar, surpreendendo desta forma. No entanto, consegue trazer uma mensagem de esperança em meio à desolação.
Se reconhece de Kubrick os enquadramentos inteligentes, a falta de pudor em mostrar cenas violentas e o desinteresse em construir um filme de gênero como o conhecemos. Diz-se, inclusive, que o cineasta desejava fazer um épico sem que o filme parecesse com um. Talvez este intento não tenha sido conquistado à pleno, mas é correto afirmar que ainda que a gênese de Spartacus tenha tido em Ben-Hur sua principal referência, os dois longas-metragens são bastante distintos. Ainda que o próprio Kubrick não considerasse o filme como uma obra sua, a produção merece estar na coleção de qualquer fã do cineasta.
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Spartacus traz o roteiro de romance histórico questionável de Howard Fast. Sucesso comercial de Hollywood, o filme segue a cartilha do formato blockbuster da época: trilha sonora exagerada (quase tudo tem música) de grandes orquestras, um grande número de figurantes (o que leva a muitos problemas, desde a cena em que há um figurante deslocado, sorrindo, perdido, etc.), grandes estrelas (não se leva em conta que não consigam encarar bem seu personagem), retratos históricos altamente moralizadores (sem compromisso de retratar a vida romana da época, mas em afirmar os preconceitos morais do presente), uma narrativa cheia de lacunas, mas que o espectador perdoa pelas cenas colossais com centenas de figurantes, etc. Enfim, impõem-se quase três horas ao espectador contemporâneo que adora cinema de qualidade. Também nele nota-se uma falha estética, a tal ponto que a mão pessoal de Kubrick está longe de ser vista, que diz-se que provocou tensão ao diretor por parte da produção. De todo modo, não retrata nem de perto a Roma da época. Spartacus, praticamente, é retratado como um cristão! Mais à frente, o filme dá saltos tão grandes na trama que um espectador crítico não acredita em como vai de um assunto a outro, simplesmente assim. Kirk Douglas (que já havia trabalhado com Kubrick na grande peça "Path of Glory", 1957) ficou aquém do papel de Spartacus: ele não tem credibilidade nem por sua aparência física, nem por sua atuação. Em suma, um fracasso total (exceto comercialmente) mas que, para o bem ou para o mal, tornou-se um filme relevante na história da sétima arte a tal ponto que foi relançado acrescentando alguns minutos que foram retirados pela censura. Não se leva em consideração aqui o caráter burguês, capitalista, em que a questão fundamental da exploração social não é concretamente demostrada, afinal, para o filme, a escravidão realmente veio a ser suprimida, só que 2.000 após Espártaco (ou Spartacus)...