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Sinopse

Num futuro próximo, condenados à cadeia podem se voluntariar como cobaias para experimentos médicos a fim de diminuir as suas penas. Um desses presidiários começa a questionar a verdade ao ser submetido a uma droga nova.

Crítica

Chris Hemsworth está longe de ser um dos atores mais versáteis da Hollywood contemporânea. Assim como seus colegas de décadas atrás, que fizeram dos músculos suas portas de entrada rumo ao estrelato, ele também tem alternado seus projetos entre demonstrações de violência (Os Vingadores, 212, ou Branca de Neve e o Caçador, 2012) ou tentativas de fazer rir (Férias Frustradas, 2015, ou Caça-Fantasmas, 2016) – ou, ainda, uma combinação de ambos (Thor: Ragnarok, 2017, ou Thor: Amor e Trovão, 2022). Os resultados, como se sabe, são diversos. Mas esse esforço em alcançar outras leituras vai além, e suas parcerias com a Netflix tem aberto espaço para explorar algumas alternativas. Como o thriller de ação Resgate (2020), no qual contava mais com a agilidade e estratégia e menos com a força bruta. Ou esse Spiderhead, que tenta perseguir uma linha mais intelectual, mas tudo o que consegue é um retorno atropelado e insatisfatório. Afinal, o que se verifica é a crença de que bastou lhe conferir um par de óculos para que o cérebro tomasse a frente do físico de forma quase automática. O que está longe de ser verdade, aliás.

O investimento no projeto é ostensivo, e as tomadas aéreas e o uso de drones e computação digital deveriam impressionar os olhos do espectador mais desatento. No entanto, o que se encontra, após instantes de distração, são cenários claustrofóbicos e um elenco reduzido em cena. É quase como um projeto fruto da pandemia, sem grandes aglomerações, tanto na frente, como atrás das câmeras. Ao lado de Hemsworth, poucos nomes do elenco se posicionam. O mais frequente é Miles Teller, aqui renovando a parceria com o diretor Joseph Kosinski (os dois fizeram juntos, há pouco tempo, o sucesso Top Gun: Maverick, 2022, que alcançava notas mais altas), mas também é possível vê-lo ao lado de Jurnee Smollett ou do jovem Mark Paguio, em sua estreia no formato após uma série de curtas-metragens. Cada um representa um estereótipo, ou melhor dizendo, uma reação básica: a ousadia e irresponsabilidade, a humildade e a reparação, o desejo e a sedução, a ilusão e a empatia. Os quatro se veem envolvidos em uma experiência que, nos primeiros momentos, se anuncia como revolucionária. Não demorará, porém, para que a verdade venha à tona e os reais contornos por trás da iniciativa se mostrem mais impulsivos e egoístas do que a maioria dos citados gostaria, mas não surpreendente o bastante para enganar a audiência.

Tanto Jeff (Teller, assumindo a posição de ‘herói’) quanto Lizzy (Smollett, se mostrando como mero interesse romântico, culpa mais do roteiro, que dela pouco exige, do que a atriz, que revela entrega nas poucas oportunidades que lhes são oferecidas) não são santos: os dois estão em uma prisão de alta segurança, e há motivos que os levaram até ali, por mais que o diretor se esforce em adiar tais revelações. Ambos aceitaram participar como cobaias de um projeto que os livrou de celas escuras e companhias indesejadas, mas, principalmente, do ambiente de reclusão e maus tratos. Agora, foram transferidos para uma ilha paradisíaca, em uma paisagem delirante de encanto e deslumbramento. Quase chega a distrair a respeito de quem são, o que fizeram e, principalmente, quais os lugares deles nessa nova “cadeia alimentar”. Afinal, há um responsável, e esse posto é ocupado por Abnesti (Hemsworth), alguém que é todo sorrisos, abraços e simpatia – mas não demonstra esforço em esconder por meio de suas ações de manipulação relacionadas àqueles sob seu controle que possui intenções bastante particulares para tê-los reunidos ali, em uma situação tão fora do comum.

Pois mais estranho que seja o conjunto, o comportamento dos personagens é o que mais desperta o sinal de alerta entre os espectadores. Baseado em um conto de George Saunders, o roteiro escrito por Rhett Reese e Paul Wernick (a mesma dupla de Deadpool, 2016) tenta impressionar pela ambientação e aspectos tecnológicos, mas logo recai em lugares comuns voltados à exploração humana pela indústria farmacêutica, essa mais uma vez assumindo seu lugar enquanto vilões de um novo mundo. A partir de implantes direto na pele dos aprisionados, aquele no controle pode determinar as doses de drogas que serão injetadas naqueles que abriram mão dos seus poderes de escolha e decisão e se colocaram sujeitos aos mandos e desmandos de uma figura desprovida de ética ou moral. O que importa, afinal, não os resultados, e se pelo caminho barreiras relacionadas à sexo ou violência precisarem ser transpostas, que assim seja. Os questionamentos provocados a partir dessas provocações ficam em um segundo plano, de modo quase arbitrário, pois Kosinski deixa claro estar mais interessado em forçar um inadequado desenlace amoroso, ao mesmo tempo em que se mostra contente em recriar uma nova fuga de Alcatraz, ainda que sem o vigor ou a tensão do original. São soluções fáceis, convencionais, que pouco exigem além de percorrer mais uma vez terrenos há muito desgastados.

Entre passagens inverossímeis e outras forçadas de barra, como colocar o franzino Teller lutando contra o brutamontes Hemsworth – e ganhando o confronto, jogando seu oponente no chão – além de situações constrangedoras quando os afetados pelas provações passam a se comportar “em nome da ciência”, mas sem finalidades comprovadas, visando apenas agradar a um apelo voyeurístico de quem falsamente afirma ser motivado por inspirações humanitárias (“imagina quantas vidas poderão ser salvas pelo seu sacrifício?”), Spiderhead naufraga até em suas intenções mais básicas, falhando em gerar empatia com o espectador em qualquer um dos níveis explorados. Afinal, entre um empresário ganancioso e sem escrúpulos, dois assassinos comprovados e um auxiliar frágil e sem voz, como gerar identificação? Por qual deles torcer ou ao menos se importar? Essa, enfim, parece ser a tarefa mais difícil de um filme que mergulha no improvável com orgulho e tudo que de lá obtém é a indiferença e a irrelevância. E, acredite: poderia ter sido pior.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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