Crítica
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Crítica
O judeu Jacobo Kaplan (Hector Noguera) passa por uma crise existencial. Aproximando-se dos 80 anos, quer saber se sua passagem pelo mundo será em vão. Para um sobrevivente, que arrumou refúgio na América do Sul quando o Terceiro Reich ameaçava erradicar o povo de Israel da Europa, a própria vida é um mérito, com seus pequenos e ordinários acontecimentos. Entretanto, Kaplan não vê dessa maneira e quer fazer algo grande, entrar realmente para a História. Sua já avançada idade e, sobretudo, um problema de visão, o impedem de continuar dirigindo. A família, então, contrata o bonachão Contreras (Néstor Guzzini) para ser seu motorista. Nessa altura da vida, em que o corpo já não responde como antes, em que a idade pesa cada vez mais, Kaplan se vê dependendo da bondade e da presteza de estranhos.
Lá penas tantas, esse protagonista encasqueta que há um oficial nazista morando numa praia próxima. Está aí sua chance de fazer alguma coisa relevante, um pouco de justiça àqueles que não tiveram sua sorte e morreram nos campos de concentração. Dito assim pode parecer que Sr. Kaplan é solene, pesado, mas estamos na verdade no campo da comédia, ainda que a graça proposta pelo diretor Alvaro Brechner divida espaço com a melancolia. Principalmente a investigação (pistas colhidas, pessoas interrogadas, etc.) é encenada com o propósito (bem sucedido) de nos fazer rir. Óbvio que a dupla inexperiente bota os pés pelas mãos na busca por evidências. Contudo, as entrelinhas são responsáveis por abrandar às vezes nosso sorriso, já que mostram além da farsa ou do decalque de um gênero bastante repetido.
Jacobo tem uma família que o ama, mas seu vazio não pode ser preenchido, a priori, com esses afetos. Contreras, seu fiel escudeiro nessa luta contra gigantes ou moinhos de vento (não se sabe), tem sua própria cota de tristeza. Vê-se distante dos seus, completamente à deriva antes que lhe seja proposto o plano de sequestrar o suposto nazista e levá-lo até Israel para um julgamento. É muito interessante como o roteiro vai aproximando os dois, mostrando seus anseios se irmanando. Ambos estão à procura de algo que os faça importantes, um para si mesmo, e o outro para a família que está perdendo. Jacobo, principalmente, não quer desgarrar da ideia do possível heroísmo, refugiando-se numa possibilidade remota para atenuar essa sensação de falta que, talvez, seja inerente ao sofrido povo judeu.
Sr. Kaplan é outra boa surpresa vinda do Uruguai, país que, cinematograficamente, vem apresentando qualidades cada vez mais evidentes. Os diálogos são precisos, tanto os cômicos quanto os dramáticos, e a transição entre os registros se dá naturalmente, o que enriquece a narrativa. Os cinéfilos terão algumas surpresas, como a inusitada homenagem a um dos grandes filmes de Sérgio Leone, além da já mencionada utilização de uma estrutura que remete ao subgênero dos parceiros policiais. O diretor Alvaro Brechner explicita as influências como ingredientes de um molho, no fim das contas, essencialmente latino-americano. Assim, não é pastiche, pois tem uma identidade própria. Em suma, um filme divertido de ver, mas não só isso, já que, na medida em que entretém, nos convida a um mergulho longe da superfície.
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