Crítica


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Sinopse

Em Stuber: A Corrida Maluca, quando Stu, um motorista da Uber, é recrutado por um policial para ajudá-lo a investigar o paradeiro de um brutal assassino, algumas regras precisam ser quebradas. Seguindo as poucas pistas que possuem, eles cada vez se complicam mais na perseguição.

Crítica

O principal receio diante da comédia Stuber: A Corrida Maluca (2019) consistia em encontrar uma mera propaganda para a Uber, do mesmo modo que Os Estagiários (2013) e Lion: Uma Jornada para Casa (2016) soavam como luxuosas ferramentas de marketing para o Google. De certo modo, o novo projeto ainda faz inúmeras referências à Uber, obviamente sem citar qualquer outra forma de transporte via aplicativo, e disparando frases do tipo “Esta é a maneira mais fácil de chegar lá”. O roteiro encontra tempo de fazer piadas com o Uber Pool, com pessoas que chamam os motoristas, mas não aparecem para a corrida, com os clientes grosseiros e com a necessidade de obter notas altas para continuar trabalhando. “Se eu tiver uma nota abaixo de 4, vou perder este emprego!”, preocupa-se Stu (Kumail Nanjiani), motorista cuja fusão com o nome da empresa gera o apelido do título. Assim, a empresa também reforça a mensagem do alto padrão de qualidade dos motoristas selecionados enquanto transmite a impressão de ser jovem e cool, por meio de uma comédia de ação.

No entanto, esses toques são diluídos numa narrativa muito mais ampla, cujo principal mérito consiste na predisposição a ridicularizar ou subverter as principais regras do gênero. O diretor Michael Dowse brinca com os clichês absurdos do cinema de ação, a exemplo das cenas de personagens atirando nos pneus de carros em movimento, carros que explodem a partir do mínimo contato físico e pessoas que tomam uma bala no lugar de outra, pulando em frente do projétil. Este ideal de heroísmo é desconstruído pela premissa absurda, porém assumida enquanto tal: Vic (Dave Bautista) é um policial míope, cujos principais casos são comprometidos primeiro pela perda dos óculos, e segundo pela visão embaçada pós-cirurgia de correção. Seu parceiro relutante será o motorista falador e ingênuo, do tipo que sequer sabe segurar uma arma. Deste modo, as brigas contra poderosos traficantes reúnem um homem com treinamento para o combate, porém impossibilitado fisicamente, e outro fisicamente apto, porém incapaz de tomar atitudes violentas. Ao fornecer a tradicional dupla do cinema de ação – o fortão e seu acompanhante cômico -, o diretor faz com que eles unam forças para a ação: em determinado momento, Vic precisa que Stu lhe diga o que está vendo para saber onde atirar.

Ainda mais interessantes são as piadas tendo como alvo a masculinidade padrão. Stuber: A Corrida Maluca representa um filme dos novos tempos, no sentido que o herói forte não precisa conquistar alguma bela mulher como recompensa por sua coragem, ao passo que as mulheres desempenham papéis fundamentais de vilãs e salvadoras dos mocinhos em perigo. Ao invés das tradicionais cenas de clubes de striptease com mulheres esculturais no pole dance, o quartel general de um adversário se encontra num clube de gogo boys, quando Steve Howey se diverte na versão masculina do homem-objeto pouco inteligente, com os músculos besuntados em óleo – sem falar no nu frontal de outro dançarino captado por uma gravação de celular. Enquanto Vic reproduz um estilo brutal e antigo, e por isso mesmo considerado inadequado às novas normas da polícia, Stu representa a visão tragicômica do homem que se considera feminista. Durante as cenas de ação, ele ataca os adversários disparando frases como “Homens de verdade têm sentimentos” e “O futuro é feminino”, algo que soa ainda mais improvável por ocorrer no momento em que foge de bicicletas e tacos de beisebol arremessados em direção à sua cabeça. Ao invés de elogiar o protagonista enquanto sujeito desconstruído e progressista, o texto tem a presença de espírito de ridicularizar as bandeiras feministas na boca dos homens bem-intencionados.

No que diz respeito às cenas de ação, Dowse consegue apresentar sequências surpreendentemente bem dirigidas, em padrão de direção e montagem incomuns para uma comédia despretensiosa do gênero. Na impactante sequência de abertura, a despenca de um alto mezanino junto do corpo que se choca no chão. Mais tarde, a edição consegue alternar, numa única cena, os tiros de Vic, o medo de Stu, os ataques dos inimigos e os barulhos de animais domésticos presentes na cena. Os efeitos visuais e a maquiagem são pouco sofisticados, mas o diretor demonstra atenção ao ritmo, algo fundamental tanto à comédia quanto à ação. Ao invés de intercalar cenas puramente engraçadas com outras puramente brutais – algo que seria possível devido à classificação R, proibida a menores de idade, responsável pela quantidade expressiva de sangue -, ele concebe cenas em que os dois existem em conjunto. Isso significa que as quatro grandes sequências de lutas e tiros constituem ao mesmo tempo os momentos mais divertidos do projeto, por explorarem os cenários improváveis (uma clínica veterinária, uma loja de produtos esportivos), os personagens inesperados (Stu com uma arma na mão) e ações involuntárias (tiros por acidente, revólveres que não disparam).

O resultado serve como divertido comentário sobre o cinema brutamontes, elevado por dois atores em registros opostos, porém tão complementares quanto seus personagens. Dave Bautista improvisou-se ator após a carreira na luta, e sua brutalidade reflete tanto a ausência de formação dramática quanto a disposição a parodiar as dimensões do corpo musculoso. Kumail Nanjiani, experiente em comédias stand-up, possui excelente timing para comédia, sabendo utilizar o corpo mais franzino em contraste com o colega de cena. Karen Gillan, Mira Sorvino, Betty Gilpin e Iko Uwais fazem aparições discretas, porém competentes. O roteiro ainda encontra espaço para parodiar o mundo das artes contemporâneas, os cenários das academias de ginástica, o conflito entre as gerações X e Y, a superficialidade dos contatos via smartphones e redes sociais. Para cada cena que talvez enalteça a Uber enquanto marca (a chegada da frota de carros confundidos com viaturas), outras ridicularizam o funcionamento da mesma (os pedidos durante um momento de urgência, o preço exorbitante da corrida). Stuber: A Corrida Maluca – cujo subtítulo sugere erroneamente um pastelão infantil – representa um dos melhores filmes da carreira de seu diretor, encontrando bom equilíbrio entre as demandas da ação e as liberdades da comédia.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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