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Sinopse

A professora Stein trabalha como geóloga na UERJ, onde também estuda o sobrinho Léo. Entre as investigações sobre o solo do Rio de Janeiro, reencontram a lenda de um tesouro escondido sob o Morro do Castelo. A dupla se lança numa aventura para coletar indícios de segredos escondidos pela construção da cidade.

Crítica

Subterrânea (2020) é um filme com muito a dizer. O diretor Pedro Urano sugere que nosso solo e nossa História possuem uma riqueza ímpar (traduzida na ideia de um tesouro), que a universidade pública desempenha um papel fundamental na expansão do conhecimento, que os novos cultos pentecostais exploram os fiéis, que catástrofes ambientais assolam o país, que perdemos obras preciosas no incêndio do Museu Nacional, que precisamos prestar atenção ao que nos dizem os índios. Há múltiplos objetivos neste discurso tão bem-intencionado quanto disperso. A principal ambição se encontra em tornar a História e a Geologia duas áreas atraentes ao público médio por meio de uma aventura no Rio de Janeiro: quando a professora Stein (Silvana Stein) e o sobrinho Léo (Negro Léo) seguem as pistas de um suposto tesouro sob o solo carioca, eles revisitam datas, fatos e passagens do desenvolvimento da cidade. O procedimento se torna lúdico: enquanto o ilusionista chama a atenção do público para o coelho em uma das mãos (a jornada rumo à conquista lendária), retira uma carta discretamente da outra mão (introduzindo mensagens sobre a configuração sociopolítica do Brasil).

Para atingir este objetivo, o roteiro fornece um sem-número de explicações. Esta é uma narrativa em estilo fabular, onde os personagens não comem, não têm casas, não amam, não têm dúvidas nem mudanças de opinião. Eles seguem pistas mecanicamente, verbalizando um ao outro tudo o que pensam. Trata-se de duas enciclopédias ambulantes: Léo olha para Stein e começa a falar sobre Lima Barreto, suas obras, as mensagens subjacentes nas escrituras. Stein olha para Léo e discorre sobre a geografia, a geologia. O roteirista João Paulo Cuenca abre mão do naturalismo em nome da funcionalidade: os personagens servem a transmitir o máximo de informações possível em curta duração. A preocupação didática poderia se diluir em atividades cotidianas, em traços de subjetividade capazes de provocar alguma identificação por parte do espectador. Entretanto, a dupla central se limita a duas vozes palestrantes, inclusive avisando um ao outro a respeito de dados compartilhados por ambos, apenas para alertar o espectador. Eles são desprovidos de temperamento, objetivos, de uma psicologia específica. Para uma jornada de busca por uma preciosidade lendária, há muita atividade para pouco conflito, e pouco pathos.

Em 2020, o filme cearense Pajeú, de Pedro Diógenes, partia de iniciativa semelhante ao combinar a história da cidade (Fortaleza, no caso) com o cinema de gênero e a linguagem do documentário. Ora, neste caso, preocupava-se com o afeto entre personagens e mesmo com a plausibilidade do realismo fantástico dentro da trama. O monstro do Rio Pajeú se concretizava aos poucos, entre sonho e realidade. Em contrapartida, a obra carioca beira a comunicação infantilizada pela suposição de que o espectador não possui nenhuma das informações enunciadas, e que seria incapaz de refletir por si mesmo. Por isso, é preciso que o filme e os heróis exteriorizem a todo momento as intenções de seus autores. “Será que tudo está interligado, e isso é tudo?”, pergunta Stein, antes de concluir sozinha que se trata da “destruição como princípio”. “Estamos caminhando para onde tudo caminha”, ela afirma, numa das diversas frases de efeito que permeiam os diálogos. O representante de uma construtora apresenta a implosão da Perimetral, diante de duas pessoas claramente informadas sobre o assunto, e ao final do vídeo, sublinha: “Como vocês sabem, essa foi a implosão da Perimetral”.

Ao espectador, paira o incômodo em ser tratado de modo tão paternalista pelo discurso que sobe num palanque para declamar suas ideias. Os longos diálogos, incomuns à oralidade, ficam quadrados na boca dos atores, que precisam efetuar respiros antes de chegarem ao ponto final. Símbolos surgem por todos os lados, sem desempenharem um papel relevante no percurso, e sem esforço real de compreensão pelos heróis. Uma figura subterrânea, de construção lúdica por parte da direção de arte, possui função ínfima, para não dizer irrelevante. Um suicídio ocorre de maneira inconsequente, e eticamente contestável por fazer referência a algo que de fato ocorre com certa frequência na UERJ. O crime ambiental e a crítica à exploração pelos cultos neopentecostais (“Templo é dinheiro”) são despejados sem cuidado, desaparecendo em seguida. A possibilidade de mergulho na fantasia através da brecha no espaço-tempo jamais se traduz numa estética fantástica. Deste modo, símbolos pintados em tapumes e letreiros em portas misteriosas se tornam conveniências narrativas, ao invés de contribuírem à tensão e ao desenvolvimento da história. Stein e Léo jamais soam particularmente sagazes: eles tropeçam nas pistas por acaso.

Subterrânea possui belas propostas de metáforas. A comparação entre as nuvens e o solo abre caminhos frutíferos, por meio da personagem de Clara Choveaux. A triangulação entre solo, céu e História remete ao discurso ousado dos documentários de Patricio Guzmán, aliás. No entanto, as nuvens são logo abandonadas pela narrativa. A ideia de peep holes sob a terra, permitindo espiar o mundo de maneira privilegiada (como uma tela de cinema, projetando imagens num local escuro), também indica uma magia simples, analógica. Infelizmente, o recurso será esquecido na aventura. A bela e misteriosa cena final produz um choque estético que teria feito muito bem ao filme como um todo: caso introduzisse cenas com mesmo impacto do balé subaquático, o projeto dissiparia a impressão escolar. Na possível intenção de ampliar o escopo da comunicação, o resultado não se torna nem infantil a ponto de conquistar o público jovem (a linguagem dificilmente se prestaria a esta proposta), nem maduro o suficiente para dialogar de igual para igual com os espectadores adultos. De qualquer modo, vale a pena tatear o terreno delicado que conecta o erudito e o popular.

Filme visto online na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
4
Chico Fireman
6
MÉDIA
5

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