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Sinopse

O mistério de um crime envolvendo uma família, em plenos anos 1950, quando o melhor e o pior da humanidade é refletido através dos atos de pessoas aparentemente comuns. O que começa com uma invasão de domicílio termina se tornando mortal, e uma família de imagem perfeita terá que se submeter à chantagem, vingança e traição.

Crítica

No Festival de Veneza 2018, Matt Damon se apresentou em dose dupla, como principal nome do elenco de dois dos filmes selecionados para a mostra competitiva. Se imaginava, portanto, que ele seria um dos fortes candidatos à Copa Volpi de Melhor Ator, prêmio que acabou indo parar nas mãos do palestino Kamel El Basha, de O Insulto (2017). E se este drama ainda não foi exibido no Brasil, para que possamos fazer nosso próprio juízo a respeito dessa vitória, ao menos já nos deparamos com os títulos estrelados pelo vencedor do Oscar (de Roteiro Original) por Gênio Indomável (1997). Primeiro, tivemos o problemático Pequena Grande Vida (2017), exibido no Festival do Rio e cujo único ponto mais ou menos positivo é a presença de Hong Chau, indicada ao Globo de Ouro, ao Screen Actors Guild Award e ao Critics Choice Award – e praticamente garantida no Oscar – como Melhor Atriz Coadjuvante. E, logo em seguida, revertendo essa quebra de expectativas, temos o inesperado Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso, no qual nos deparados com um Damon antagonista, em uma mudança que não só lhe cai muito bem, como colabora – e muito – com o resultado deste que é o sexto longa dirigido por George Clooney.

Reconhecido como um dos maiores galãs de Hollywood, Clooney conquistou respeito e admiração com o engenhoso thriller Confissões de uma Mente Perigosa (2002), para logo em seguida ser indicado ao Oscar de Melhor Filme e Direção por Boa Noite e Boa Sorte (2005). Se as comédias O Amor não tem Regras (2008) e Caçadores de Obras-Primas (2014) acabaram ficando aquém do prometido e o político Tudo Pelo Poder (2011) terminou por ser subestimado diante do tema que se propunha discutir, Suburbicon segue um meio termo entre essas realizações anteriores: não é tão pretencioso quanto as maiores frustrações já enfrentadas, nem tão intricado quanto seus maiores acertos. O que encontramos aqui é uma visão ainda mais radical, e, por isso mesmo, sem tantas sutilezas, do oscarizado Beleza Americana (1999), porém sob o olhar irônico e debochado dos irmãos Joel e Ethan Coen – que, por sinal, são autores do roteiro, ao lado de Grant Heslov (vencedor do Oscar por Argo, 2012) e do próprio Clooney. Melhor dizendo, imaginem um cruzamento da sarcástica crônica familiar de Sam Mendes com algumas das comédias mais ácidas dos Coen, e talvez chegue-se perto do que aqui encontramos.

Dos acertos ao acaso de Fargo (1996) aos personagens impossíveis de Queime Depois de Ler (2008), passando pelos planos mirabolantes de Matadores de Velhinha (2004), talvez o maior acerto de Suburbicon seja o fato de Clooney ter deixado de lado seu ego sobressalente para se revelar um mero operário disposto a tornar realidade – ou pura ficção – as criações endiabradas dos diretores de Arizona Nunca Mais (1987) e O Grande Lebowski (1998). O realizador resigna-se sabiamente ao papel de condutor, deixando livres figuras cheias de segundas intenções e capazes dos feitos mais ignóbeis, movidos por sentimentos tão rasteiros quanto a cobra que os dois amigos trocam por cima da cerca. Ela pode não ter dentes, mas nem por isso deixará de encontrar os meios certos para sobreviver. E quando o caos se instaura, aparentemente sem volta, será ela que veremos deslizando entre os resquícios daquilo que um dia já foi e nunca mais voltará a ser. É um mundo dos espertos, e estes nunca são aqueles que assim se julgam.

Uma família se muda para Suburbicon, um bairro planejado para conter o melhor do sonho americano. Estamos no verão de 1959, no entanto, e os recém-chegados cometeram o terrível engano de serem... negros. Enquanto a comunidade se reúne para deixar claro o quanto se sente incomodada pelos novos vizinhos – ainda que estes nada tenham feito a não ser o simples fato de existirem – na casa ao lado outro drama se desenvolve. Em uma noite como qualquer outra, dois bandidos invadem o lar, fazendo dos moradores seus reféns. Ali estão o pai (Damon), sua mulher (Julianne Moore), que se locomove apenas numa cadeira de rodas após um acidente de carro, a irmã dela (Moore, em papel duplo), e o filho do casal, Nicky (Noah Jupe). Algo dá errado – como invariavelmente é o caso – e a mãe e esposa acaba sendo assassinada. A polícia é chamada, os dias passam, e nenhum suspeito é encontrado. Ou seriam eles, enfileirados para reconhecimento em plena delegacia? E por que ninguém os aponta? E, mais importante: qual a razão deste homem e sua cunhada estarem tão confortáveis diante este novo arranjo familiar?

Se em Extraordinário (2017) o inegável talento de Jacob Tremblay acabava escondido sob quilos de maquiagem, quem terminava por se destacar de fato era seu melhor amigo, o menino que lhe estende a mão no primeiro dia de aula. O nome deste garoto é Noah Jupe, que aqui mostra de vez estar à altura de qualquer aposta a seu respeito. Ele não só se coloca frente a nomes como Matt Damon (confortável como um tipo distante da figura heroica que construiu para si na maior parte da sua carreira) e Julianne Moore, como também responde pelo verdadeiro coração do filme. E nesta sádica fábula de crítica afiada e posições suspeitas, da qual nunca se permite desviar os olhos sob o alerta de não se ater ao que realmente importa, os exageros terminam por soar cabíveis, justamente por se confirmarem alusivos a uma discussão maior e muito mais urgente. Suburbicon pode ser apresentado como um lugar, mas logo se percebe ser mais do que isso: é um estado de espírito. Tanto hoje como mais de meio século atrás. E somente a dor de um sorriso angustiado pode abafar, ainda que por instantes, essa terrível verdade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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