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Sinopse

Park e Hoi chegam à velhice sem ter assumido sua homossexualidade, ambos mantendo famílias criadas dentro de uma lógica heteronormativa. Todavia, eles se conhecem, se apaixonam e passam a sonhar com um amanhã juntos.

Crítica

O longa-metragem do cineasta Ray Yeung fala não apenas de um amor interditado por várias convenções a serem derrubadas. Esse retrato delicado de um vínculo afetivo nascido apesar de múltiplos impedimentos é substanciado pela noção de que pouco daquilo é uma novidade. Há, portanto, em Suk Suk: Um Amor em Segredo o desenho de uma melancolia cumulativa nas vezes em que os protagonistas se pegam divagando, ora enternecidos pela lembrança do homem amado, ora atravessados pela dificuldade para experienciar esse sentimento nada vergonhoso, mas que assim é distorcido por uma sociedade preconceituosa. Pak (Tai-Bo) é um taxista frequentemente instado pelos filhos a se aposentar. O gozo de sua homossexualidade lhe foi possível apenas na maturidade, ainda assim furtivamente, como o realizador mostra na abordagem clandestina de parceiros de ocasião. Para ele, o envolvimento tem de ser casual, tanto que em princípio rechaça a solicitação de Hoi (Ben Yuen) para desenvolver uma amizade antes de qualquer contato carnal. Os dois estão em momentos distintos, pois encaram a necessidade de abraçar suas naturezas a partir de prismas diferentes.

Suk Suk: Um Amor em Segredo utiliza a velhice para apresentar um conjunto complexo e potencialmente doloroso. Hoi participa de reuniões com um grupo que pleiteia publicamente a construção de uma casa de repouso gay, para onde os membros da comunidade LGBTQI+ pudessem ir nos anos derradeiros. O olhar do realizador ganha em desalento diante desses personagens que representam uma realidade insuficientemente discutida, a do abandono de pessoas consideradas inadequadas. Chiu (Kong To), o amigo que vive sozinho com as dores de joelho, em meio à dificuldade para conservar a sua independência diante dos olhos maldosos das vizinhas, é o principal elemento dessa temática encarada ao largo do amor centralizado. O homossexual idoso, tantas vezes estereotipado ou simplesmente invizibilizado no cinema, é uma figura aqui observada de perto, esquadrinhada dentro de uma lógica que entremeia o passado de verdades incógnitas, o presente de luta incessante e o futuro incerto. Nesse universo habitam os dois homens que ensaiam desabrochar, ainda restritos aos espaços de liberdade excepcional (saunas e afins) entendidos como seguros por serem ocultos.

Há certa previsibilidade no trajeto amoroso entre Pak e Hoi. Das hesitações iniciais, eles passam pela evidente fase da euforia, logo depois enfrentando as impossibilidades se avolumando (apesar da esperança), chegando a um aparente beco sem saída. Felizmente, Ray Yeung substancia esse caminho mais ou menos conhecido – inclusive por ser próximo ao que muitas vezes acontece na realidade – com as questões de cunho social, abrindo o escopo de sua atenção, aproveitando pequenas colocações para adensar, e dotar de verossimilhança, o universo que os personagens habitam. Prova desse aproveitamento dramaticamente engenhoso das convenções é a maneira como ele encaixa nessa equação as diversas demandas familiares. Quanto ao círculo de Pak, chega-se a apontar às divergências com a esposa, mas sem tipifica-la como alguém insuportável ao ponto de lhe afastar. Com cuidado, o cineasta vai dando terreno para que, sim, a convivência de décadas transpire pelos poros de uma relação cotidiana desgastada, como outra qualquer, mas sem tornar a mulher uma vilã desalmada. Quando muito ela demonstra ideias conservadoras, vide a posição tensa diante do novo genro.

Já a respeito de Hoi, sobressai a questão da religiosidade, especificamente a cristandade. Pai solteiro, constantemente confrontado pelo rebento controlador e dado a afirmar o patriarcado, ele converteu-se ao cristianismo para não colocar em risco na eternidade um elo vital. Assim como a esposa de Pak, o filho dele chega próximo de ser vilanizado, mas também ganha seus momentos de ternura. Suk Suk: Um Amor em Segredo lança indícios, mas evita defender incondicionalmente determinadas recomendações e/ou sugestões acerca do que fazer. O filme não aponta caminhos ideais, tampouco mostra aos protagonistas enamorados, gradativamente lembrados do que os separa, uma saída fácil dessa conjuntura coletiva que os oprime por conta de suas marginalizadas orientações sexuais. Existe o amor, a despeito das engrenagens encarregadas de restringir o seu usufruto pleno nos âmbitos da convivência pública. E a velhice surge, ao mesmo tempo, como estágio de urgência, no qual o romance de tamanha amplitude e ressonância pode ser o último, e na condição de fase naturalmente complicadora, por todas as restrições e discriminações que recaem sobre os idosos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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