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Crítica


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Sinopse

Uma influenciadora do mundo fitness precisa lidar diariamente com as pressões para parecer perfeita, a solidão, suas carências afetivas e com o fato de não saber se aguenta sozinha tantas demandas.

Crítica

O dia a dia de Sylwia (Magdalena Kolesnik) é desgastante, física e emocionalmente falando. Influenciadora fitness, ela existe entre os protocolos de sua vida saudável, as apresentações públicas em que se dispõe como concorrida personal trainer motivadora e as constantes postagens nas "imprescindíveis" mídias sociais. Sweat se trata, portanto, de um estudo de personagem, daqueles em que a câmera cola em alguém específico e tenta decifrá-lo nos mínimos detalhes, mas aqui sem desejar esgotá-lo. Nesse sentido, o cineasta Magnus von Horn sai-se muito bem, sobretudo porque demonstra atenção àquilo que normalmente escapa aos interlocutores dessa mulher profundamente sozinha, vítima de um isolamento paradoxal. À medida que interage com milhares de pessoas diariamente, sendo vista como modelo a ser seguido, ela é refém de um desmedido isolamento, este parcialmente mitigado pela presença de seu cachorrinho de estimação. Mas, o filme não cai na fácil armadilha de sustentar-se apenas nessa revelação de uma essência por baixo da casca devidamente utilizada para promover uma perfeição vazia.

Há precisão na encenação proposta pelo jovem realizador, especialmente quanto à concepção de situações instáveis e a indisposição para atender expectativas deliberadamente criadas. Indício disso, a ótima cena de Sylwia interpelada pela desconhecida no shopping center. Há, de pronto, um violento desconforto instaurado pela confusão entre os âmbitos privado e público. A protagonista evidentemente não se sente cômoda ao ter de confirmar as “promessas” feitas por sua imagem midiatizada, a de personalidade acolhedora. Ao mesmo tempo, há espaço para entendermos o gesto de empatia como vindo de uma genuína preocupação com o outro, algo possivelmente soterrado gradativamente pela rotina de frivolidades. Assim sendo, é deflagrada uma via de mão dupla, em que as personas dela (a superficial e a profunda) se digladiam, durante essa dinâmica intrincada não sendo possível definir estritamente qual é a mais verdadeira. Ou, numa lógica diferente, a mais brutalmente afetada pela rede montada para tornar a polonesa uma celebridade nacionalmente conhecida.

O comportamento da câmera de Magnus von Horn gera uma sensação de instabilidade circundando Sylwia. Um simples passeio com o cachorro é carregado de vulnerabilidade, exatamente pela maneira como as imagens são construídas, às vezes fruto da proximidade perturbadora, noutras em virtude da disposição para mudar rapidamente de foco conforme as circunstâncias. A sequência da reunião familiar expõe as fragilidades da protagonista e isso, novamente, se desprende dos gestos valorizados sutilmente, processo que resulta em algo potente. Na casa da mãe, fragmentos vão se avolumando até gerar a breve discussão que rompe a fina camada de cordialidade. O retorno, envergonhado, não é menos saturado por um constrangimento sintomático. Em meio a esse trajeto quase estritamente pessoal, Sweat ainda se empenha em apontar determinadas veleidades da vida contemporânea e também mostrar a idealização esperada de influenciadores que, em tese, precisam se vender diariamente aos seguidores como modelos infalíveis de sucesso e felicidade.

Contrariando as obviedades, Magnus von Horn não deixa Sylwia ser definida. Preocupada com as questões ambientais, dedicada a oferecer às pessoas alternativas de cotidiano saudável, ela acaba arrastada por um entorno onde a solidariedade e a compreensão não têm sinônimo de valor. Nem integralmente vítima, tampouco completamente algoz, a personagem interpretada com intensidade por Magdalena Kolesnik é cativa das próprias carências, mas, numa medida semelhante, capaz de ceder às convenções se isso significar uma garantia de autoproteção. Diante do stalker que se masturba sem consentimento na sua presença, ela primeiro apresenta uma óbvia indignação. Logo adiante, ao tomar contato com a fragilidade do homem, mesmo sabendo que uma coisa não justifica a outra, se sente convidada a apiedar-se. Porém, talvez para sublinhar o seu caráter de celebridade, a protagonista chega a mencionar o perseguidor quase orgulhosamente à mesa. Ambivalências, contradições e complexidades que fazem de Sweat um belo exemplar que refuta os simplismos.

Filme assistido online na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2020

 

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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