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Crítica


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Sinopse

John Smith, um menino de 14 anos, brincava com amigos no congelado Lago St Louis, no Missouri, quando, acidentalmente, sofreu uma queda e se afogou. Chegando ao hospital, ele foi considerado morto por mais de 60 minutos até que sua mãe, Joyce Smith, juntou todas as suas forças e pediu a Deus para que o filho sobrevivesse.

Crítica

Na trama, antes mesmo da tragédia surgir na vida de Joyce (Chrissy Metz) já é possível perceber a tendência de Superação: O Milagre da Fé ao desenho de um mundo postiço, distante da realidade, afetado, precisamente, por excessos de romantismo e idealização. Ainda que mostre o adolescente John (Marcel Ruiz) tendo dificuldades de comunicação com os pais, que a sensação de abandono tome este de assalto frequentemente – o fato de ser adotado lhe induz a crer que a genitora biológica o “desprezou” –, o filme exibe forte dependência dos dogmas nos quais se fundamenta. A concepção doméstica, com a mãe diligente em relação ao lar e o pai encarregado do sustento, está intimamente atrelada à cristandade que perpassa a narrativa integralmente. As demais famílias apresentadas não são menos condicionadas por essa lógica em que a harmonia, aparentemente um estado predominante, é possível em virtude da fé num Deus misterioso.

Os problemas não estão apenas nas cargas de sentimentalismo consecutivas ao acidente que leva John a ser dado como morto, mas na forma como a cineasta Roxann Dawson correlaciona canhestramente eventos para sustentar teses e preceitos religiosos. Há uma vontade de pretensamente provar que o retorno do menino, realmente um fato extraordinário – lembrando que o enredo se baseia em fatos – é um indício irrefutável da existência e da magnanimidade de Deus. Exemplo disso, o modo como a oração da mãe, principalmente os gritos de súplica para que o Espírito Santo encha novamente o filho de vitalidade, antecede o retorno inexplicável dos batimentos cardíacos. Durante as vigílias, inadvertidamente, as preces são as causas e as melhoras espantosas do paciente as consequências. O discurso, sequer, coloca em xeque a dicotomia entre ciência e religião. De acordo com a pegada prevalente, se algo não pode ser explicado por uma, é obra da outra.

É óbvio o elo que a realizadora estabelece entre John e Jesus. O menino cai em desgraça ao caminhar sob um lago congelado, ou seja, sob a água; e sua “ressurreição” é tida como miraculosa. Já a mãe encara um processo de negação violento, algo celebrado no filme como indício de uma fé inabalável. Ela precisa entender que a vida do rebento está nas mãos de Deus. Ao se sujeitar e, portanto, desapegar de seu orgulho, a cura inesperada se torna possível. Como não poderia deixar de ser nesse tipo de produção, essencialmente doutrinária, há o ateu que, tocado pela voz do Todo Poderoso, reavalia o seu ceticismo. Não à toa, perniciosamente, quando esse personagem se junta brevemente à espera, ou seja, assim que ele passa a crer na probabilidade de um milagre e, por conseguinte, a aceitar a presença de Deus, John como que retorna dos mortos praticamente ileso. Conectando umbilicalmente tais eventos, o conjunto vai empilhando melodramaticamente as suas sentenças.

Superação: O Milagre da Fé, a despeito da exasperação inerente às situações apresentadas, força a mão para deixar as coisas ainda mais demarcadas. Não basta existir um coral de colegas cantando na porta do hospital, pois Roxann Dawson insiste em fazer um clipe choroso que ressalta a comoção ampla; de maneira semelhante, à cineasta não parece suficiente que a existência terrena de alguém no auge da juventude esteja em risco, pois é urgente emoldurar tudo com uma música melosa e demasiadamente indutiva. John e Joyce, ambos anteriormente orgulhosos, aprendem a ser pessoas melhores por meio da dor, assim asseverando a mensagem de retribuição divina ao tributo prestado. As diferenças com o pastor Jason (Topher Grace) servem somente para mostrar a mãe como representante de um pensamento reacionário baseado na negação de novas linguagens de pregação. Há, ainda, convenções surradas de filmes religiosos, como o homem da ciência se curvando a algo que não consegue mensurar racionalmente e o final feliz como prêmio às ovelhas obedientes.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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