Crítica
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Sinopse
Uma estrutura flutuante no rio Sena, em Paris, na França, abriga um centro psiquiátrico.
Crítica
O adamante, para quem não conhece, é um material mitológico e, portanto, fictício. Nas histórias em quadrinhos, a sua variação “adamantium” é usada como denominação de um mineral aparentemente indestrutível, de presença frequente entre os heróis da Marvel. Portanto, de acordo com esse emprego e uso, pode se compreender que, enquanto adjetivo, adamantino seria a condição daquele – ou daquilo – marcado pela firmeza, algo ou alguém incapaz de ser corrompido, de integridade reconhecida. Este é também o nome destinado a um centro médico e terapêutico localizado na região central de Paris, como uma embarcação fixa, constantemente embalada pelo rio Sena. Sobre l’Adamant, portanto, é um documentário que se ocupa exatamente com aquilo que seu título antecipa: o que acontece dentro do Adamant, quem são as pessoas que o frequentam e o que ele oferece de diferencial em relação aos muitos similares que existem espalhados por todo o mundo. A proposta, por mais curiosa que seja, não deixa de ter um ar institucional midiático, que tanto informa quanto divulga algo que nunca chega a ser confrontado, explorando apenas aquilo que os realizadores – e os responsáveis pela iniciativa – acreditam ter de melhor a oferecer. Um viés único e, portanto, limitador.
Deixando de lado qualquer experimentação visual, assumindo-se quase como uma reportagem, Sobre l’Adamant se coloca como registro do que esse espaço é feito, quem são as pessoas que dele se ocupam, o que elas possuem em comum e qual o efeito deste ambiente em suas realidades. Como rapidamente se identifica, há uma função social nessa proposta. Quase como se os responsáveis pelo projeto tivessem, além do resultado fílmico, a preocupação maior de não apenas justificar seus esforços, mas também validar suas próprias funções. A todo instante deixam evidente um grito de “nós existimos e somos necessários”. Enquanto iniciativa, com certeza. Mas o que dizer do resultado como peça cinematográfica, uma vez que foi este o formato escolhido para sua elaboração? Não há cuidado estético e nem mesmo formal, a narrativa é linear e bastante óbvia, os relatos vão se acumulando em meio uma lógica reiterativa e contínua, do “mais e melhor”, como se o seguinte viesse apenas para comprovar o quão certo estava o anterior. Mais do mesmo, portanto. Talvez funcionasse enquanto peça publicitária ou audiovisual encomendada, mas não como peça autoral, uma identidade que busca, mas não chega a alcançar.
A questão maior é que o Adamant é um hospital psiquiátrico que aposta em modelos alternativos de tratamento. Ao invés de técnicas rudimentares ou ultrapassadas, que o cinema muitas vezes explorou em obras de época que mais se assemelhavam a contos de terror, o que aqui se vê são ambientes modernos e coletivos, que mais se assemelham à ateliês ou espaços de criação. Há reuniões regulares nas quais se discutem as atividades da semana, trocas constantes entre internos e funcionários, cineclubes e debates, momentos para desenho e para literatura. Se “mente vazia, oficina do diabo”, como diz o ditado, o que os responsáveis daqui pregam é exatamente o contrário: ocupar-se de forma recreativa, uns com os outros e cada um consigo mesmo, para dessa troca mútua e constante um bem-estar, individual e também democrático, seja alcançado. A cura, se não uma realidade, ao menos é um destino ao qual todos se dirigem como meta compartilhada.
Porém, não há muito o que cada um dos envolvidos possa oferecer além do já esperado diante de um cenário como o que aqui se propõe. Do homem que pensa ter tido sua vida “roubada” por Wim Wenders ao jovem que carrega um imã no peito para se proteger de más vibrações, da senhora resoluta em seu intento de contribuir com mais do que aquilo que até então lhe é permitido ao rapaz que demonstra em uma alegria contagiante que o que para muitos pode parecer por demais simples, como o ato de servir um café, para ele é percebido como uma grande conquista pessoal, desfilam em cena uma série de figuras carismáticas e envolventes, mas nunca devidamente aprofundadas. Cada uma terá o seu momento de diálogo com a câmera, mas uma vez essa etapa superada, é chegada a ver do próximo, e assim por diante. Ao invés de escolher um enquanto personagem condutor, uma opção que poderia, enfim, ressignificar sua postura, permitindo com isso um mergulho intenso no conjunto, o que se tem é apenas esse trânsito circular, que por muito percorre, mas sem se afastar por demais do ponto de origem. Não há profundidade, enquanto no seu lugar ocupa-se o espaço apenas com quantidade, como se o tanto de histórias fossem aumentar o impacto que tanto perseguem.
Nicholas Philibert, também responsável pela fotografia e montagem, além da direção, chegou a ser indicado ao Bafta e ganhou um César e o European Film Award pelo longa Ser e Ter (2002), um título referencial dentro do gênero documental no cinema francês. Desde então, no entanto, já se passaram mais de duas décadas, e Sobre l’Adamant chega para mostrar como um certo acomodamento pode ser prejudicial ao cineasta que deveria se manter em busca de reinvenção. De alcance limitado, não deixa de comover com depoimentos carregados de sinceridade e realismo, mas também, por outro lado, são estes mesmos tipos que aumentam o ressentimento em relação a tudo o que o filme poderia ter sido, sem, no entanto, ter demonstrado o empenho ou o comprometimento em se mostrar como tal. Pior ainda são as tantas perguntas que poderiam ter sido feitas, em relação a sua origem ou mesmo manutenção, e o impacto que uma estrutura como essa acaba gerando na comunidade, além daqueles diretamente atingidos, que são sistematicamente ignoradas, como se irrelevantes ao todo. É um filme, enfim, que fica pelo meio do caminho, apontando para vários lados, sem, por fim, escolher nenhuma das possibilidades que chega a cogitar.
Filme visto no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023
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