Crítica

Suzanne é um filme de personagens. Com uma trama bastante simples, o longa-metragem de Katell Quillévéré busca aprofundar-se nas entranhas da família Merevsky, mostrando a infância de duas meninas criadas por um pai viúvo, passando pela sua adolescência e, finalmente, vida adulta. Um apanhado rápido da vida daquelas pessoas e como o relacionamento entre elas constitui uma família de verdade, com todas as suas falhas, ressentimentos e pedras no caminho que a vida real nos apresenta.

Na trama, assinada pela diretora ao lado de Mariette Désert, conhecemos Suzanne e Maria ainda crianças, visitando o túmulo de sua mãe. Nicolas (François Damiens) faz questão de levar suas filhas ao cemitério e, por ainda usar a aliança, demonstra que a perda da esposa está longe de ser superada. Um salto no tempo nos leva à adolescência das meninas. Suzanne (Sara Forestier) engravida, deixando seu pai irritadíssimo com o descuido da filha. Ela tem o bebê, Charlie, que é muitas vezes deixado sob os cuidados do avô. O tempo passa. Maria (Adèle Haenel) visita o pai e a irmã se mostrando mais independente, mais responsável e não menos divertida. Quando Suzanne conhece Julien (Paul Hamy), sua vida dá uma guinada. Loucamente apaixonada, ela foge com o namorado deixando o filho para trás, sob os cuidados da irmã e do pai. O retorno de Suzanne ao convívio da família se daria anos mais tarde, em uma situação nada confortável.

O que realmente importa em Suzanne é como os personagens respondem ao que a vida lhes oferece. Nisso, o longa-metragem de Katell Quillévéré se mostra inteligentíssimo e bastante sensível. Para começar, o pai da família, Nicolas. Viúvo muito jovem, com duas filhas para criar, aquele homem teve de se desdobrar para que sua família não ruísse com a perda da mãe. Caminhoneiro, Nicolas precisava se ausentar muitas vezes para trabalhar, recaindo uma maior responsabilidade sobre as meninas em fazer companhia uma para a outra. Sem vontade alguma de encontrar outra mulher (e existiram convites do sexo oposto, não aceitos), Nicolas teve de fazer os dois papéis para as filhas. Ainda que tivesse pavio curto – e a forma como ele descobre da gravidez de Suzanne mostra bem isso – o patriarca dos Merevsky fez o melhor que pode, amando as meninas incondicionalmente, ainda que a decepção com os caminhos tomados por Suzanne o tenham afastado. Uma performance comovente e muito sutil de François Damiens, que convence (ajudado por boa maquiagem) na passagem do tempo de seu personagem.

Já Suzanne é uma protagonista complicada. Irresponsável, egoísta e completamente cega pela paixão, a moça tem uma trajetória inconstante. Sua vida não é planejada. Ela apenas responde ao que lhe acontece. Seus ímpetos parecem sempre colocá-la em apuros e seu padrão de ação é tentar fugir, sem nunca pensar em como os demais ficarão com sua ausência. Essa é uma diferença nítida entre Suzanne e Maria. Esta é mais responsável, parece sempre ter o outro em mente, mesmo que não concorde com as ações da irmã. Adèle Haenel rouba a cena sempre que aparece e nos faz desejar que o filme fosse centrado em Maria, não em Suzanne. Não à toa, Haenel venceu o César de Melhor Atriz Coadjuvante, o único prêmio recebido pelo longa no Oscar Francês. O filme foi indicado a outras quatro estatuetas – Atriz (Forestier), Ator Coadjuvante (Damiens), Ator Promissor (Hamy) e Roteiro Original. As lembranças da Academia de Cinema Francês ao elenco de Suzanne são merecidíssimas.

Uma lástima que Katell Quillévéré não tenha sido lembrada pelo César. Ainda que tenha muito a evoluir, a cineasta consegue transmitir ideias sem ter de soletrar ao espectador o que está querendo dizer. Um ótimo exemplo é a cena do cemitério, no início de Suzanne. Vemos o pai da família, com sua aliança, demonstrando que a perda da mulher ainda dói. Não sabemos quanto tempo ela faleceu, mas podemos inferir que já passaram alguns anos e que o luto de Nicolas é perene. A vivacidade das crianças perto do túmulo nos leva a crer isso, já que fazem piquenique, conversam animadamente, como se aquela morte não fosse algo presente. Eram muito jovens para entendê-la. Uma pequena cena, de apenas 3 minutos, que nos dá tanto para interpretar. Por outro lado, o fato de as informações não serem telegrafadas para o espectador acaba esticando a história. Não seria necessário iniciar a trama na infância, passar pela adolescência e chegar à vida adulta daquelas meninas se um ou dois diálogos explicassem para a plateia o que havia acontecido. Não chega a ser uma falha. É uma escolha da cineasta, que ora funciona (como a referida cena do cemitério), ora atrapalha (Forestier tem sérios problemas para convencer como uma adolescente).

Deixando a trama bem solta, Katell Quillévéré faz um filme difícil de gostar, mas não menos interessante por causa disso. Com uma protagonista dura de engolir, com laços familiares fortes que a ajudarão no decorrer de sua jornada, Suzanne não pretende conquistar o espectador pela beleza ou ternura de seus personagens. Pelo contrário. O filme deve encontrar seu lugar junto ao público pelas duras lições de vida que nos mostra e como, no final das contas, o que realmente importa é quem está ao nosso lado – mesmo que não fisicamente.

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