Sinopse
Suzume é uma garota de 17 anos que, apesar da pouca idade, ajuda um jovem misterioso a lacrar portas místicas.
Crítica
Impressionante sucesso de público no seu país de origem, Suzume já arrecadou mais de US$ 100 milhões nas bilheterias locais e tem como maior atrativo para esse impressionante desempenho a assinatura do diretor e roteirista Makoto Shinkai, conhecido no Ocidente por longas como Your Name (2016), indicado ao Annie Awards, e O Tempo Com Você (2019), exibido – e muitas vezes também premiado – nos festivais de Faro Island e San Sebastian, entre outros. É de se perguntar, portanto, por qual razão seu mais recente filme teria sido selecionado para a mostra competitiva oficial do 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim? O que uma eventual vitória poderia agregar a uma carreira já repleta de conquistas? Difícil saber, uma vez que o realizador não só é mais do que consagrado em sua terra natal, como tem demonstrado a cada novo projeto uma maior entrada junto ao público internacional. Até porque a trama que agora explora se mostra mais uma vez universal, facilitando um diálogo com espectadores de qualquer nacionalidade, ainda que não elabore tantas camadas de entendimento quanto se poderia desejar. Eis, enfim, uma dinâmica e curiosa aventura, mas não muito mais do que isso.
Suzume é o nome da protagonista, uma jovem sonhadora que vive com a tia em um vilarejo litorâneo na costa do Japão. Já adolescente, leva uma vida bastante independente, assim como a sua tutora, que se tornou responsável pela garota após a morte da irmã. Certo dia, enquanto se dirige à escola logo de manhã cedo, cruza no caminho com um rapaz de longos cabelos negros que a deixa desnorteada. Ele lhe faz apenas uma pergunta: “você conhece algumas ruínas por essa região?”, mas é suficiente para lhe provocar desconcentração tamanha que nada mais parece fazer sentido. O único lugar similar ao que ele parece estar procurando é a cidade abandonada, não muito distante do local onde se viram pela primeira vez. É onde acaba lhe indicando para ir, e é também para onde ela própria vai assim que percebe que precisa conhecê-lo melhor. A ligação inicial entre os dois parece por demais frágil, quase ao acaso, mas rapidamente se verão conectados um com o outro com tamanha intensidade que nem mesmo conseguirão se imaginar separados.
A questão é que o rapaz não é um mero turista buscando por lugares abandonados para registrá-los através de fotos conceituais. Sota – seu nome, como se apresentará em seguida – é, de fato, um guerreiro comprometido com a segurança do mundo tal qual o conhecemos. E, para tanto, precisa encontrar uma porta que o leve a uma outra dimensão e, uma vez nesse lugar específico, derrotar uma grande ameaça invisível aos olhos não preparados, mas capaz de provocar danos concretos no lado de cá da realidade. Por mais bizarro que tudo isso possa parecer num primeiro momento, Suzume reconhece uma certa familiaridade nisso que acaba descobrindo. Tanto é que não lhe será particularmente complicado reconhecer a porta que o rapaz estava buscando. Porém, uma vez aberta, como penetrar naquele universo do qual se é possível vislumbrar, porém cujo acesso lhe parece tão proibitivo? Se ali ela já esteve, qual o preço que teve que pagar para tanto? E, por fim, como essa oportunidade, já alcançada, poderá ser reproduzida?
Além da entrada nesse mundo mágico em particular e da manutenção no mesmo desse perigo que vem se aproximando com cada vez mais força ao lado de cá das coisas, outros dois problemas estarão no caminho da pequena Suzume: a transformação de Sota em uma cadeira infantil amarela de apenas três pernas (!) e a insistência de um pequeno gato branco em acompanhá-los (!!). A missão que era de apenas um logo se vê sendo dividida sobre as costas de dois, e em seguida por três, rapidamente ganhando mais companheiros a bordo: quatro, cinco e até seis. A preocupação da tia que não deixará de pela sobrinha procurar ao melhor amigo do jovem encantador, até um outro gato – preto e de proporções maiores – o que se verá desse ponto em diante é quase como um jogo de videogame, com diferentes etapas a serem superadas, com níveis cada vez mais complicados a serem vencidos. Pela maior parte do enredo, o que se busca se vê relegado a uma segunda instância, enquanto a preocupação estará apenas no durante, no percurso pelo qual transitam, e não tanto quanto ao destino para onde se encaminham. Não que seja essa uma jornada desprovida de atrativos – dinâmica e envolvente, tem tudo para se mostrar eficiente junto a um espectador mais jovem. Porém, é de se perguntar o que tantas distrações são capazes de somar ao desfecho ao qual se ambiciosa alcançar.
É, portanto, quando deixado de lado a abordagem mais fantasiosa, sobre um fim do mundo a ser evitado, portais que atravessam tempo e espaço e guerreiros dispostos a abdicar vida e morte em nome de um bem maior, que Suzume, enfim, mostra o seu real valor. Pois, o que restará uma vez que todos esses penduricalhos são vencidos, será um singelo conto de superação, uma lição de aprendizado sobre como lidar com perdas aparentemente traumáticas e o que fazer diante de traumas paralisantes, porém não insuperáveis. Afinal, melhor do que simplesmente empurrar qualquer incômodo para debaixo do tapete, sábio se demonstra ser aquele capaz de enfrentar de frente estes dilemas e com eles aprender a conviver, não oferecendo uma proporção que não merecem, mas reconhecendo seu peso e importância dentro do contexto ao qual habitam. Há de se reconhecer a dor de cada partida e o desespero inicial que dela provêm, mas além disso há também uma oportunidade rara de crescimento e aprendizado, e esta é, em última instância, a grande lição a ser aprendida.
Filme visto no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023
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