Crítica
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Sinopse
Onze crianças e adolescentes, com personalidades surpreendentes, crescem nas cidades mais desfavorecidas da França. Através de seus olhares singulares e inesperados, são apresentadas suas reflexões divertidas e poderosas.
Crítica
Crianças recorrentemente revelam muito sobre o ambiente em que vivem através de suas observações diretas e ainda desprovidas de filtros preconceituosos – ou até mesmo porque os adotam sem reflexão, na convivência com adultos problemáticos e ou conservadores. A estratégia de seguir os pequenos em meio a situações complexas rendeu recentemente o poderoso Fogo no Mar (2016), e agora volta a tocar no tema dos imigrantes ao se focar em 11 crianças e pré-adolescentes de uma escola da zona periférica de Paris. Longe dos clássicos pontos turísticos pelos quais a capital francesa é conhecida, Swagger mantém a Torre Eiffel sempre no horizonte em seus quadros, distante da realidade daqueles estudantes como os ideais de aceitação que almejam e discutem.
Quando perguntada sobre como a tecnologia iria afetar o futuro, a maioria deles imagina drones e pequenos robôs de vigilância presentes diariamente na sua rotina, andando e sobrevoando as favelas verticais, os enormes condomínios populares onde moram. Da mesma forma, é interessante notar como em seus depoimentos os jovens, mais de uma vez, se colocam como adultos e chefes de suas famílias, pelo simples fato de, diferentemente dos pais, saberem ler ou escrever. Nesse sentido, o africano Paul Turgot se revela um caso ainda mais delicado. Percebemos que o menino está sempre de terno – uma “adulteza” que contrasta de forma sensível com sua timidez ao contar sobre um beijo que recebeu na bochecha. Aliás, também é admirável como, apesar de orgulhoso e sério, Turgot revela uma insuspeita falta de preconceitos ao contar casualmente sobre sua admiração pelo estilo chamativo das roupas de Régis, colega abertamente homossexual, outro dos entrevistados no documentário.
Esse último, inclusive, também protagoniza outro instante sutil, ao comparar uma briga dos pais com os embates do Oriente Médio, apenas para perceber, um segundo depois, que, por mais cômico que seja a sua história, ela ainda gira em torno de um conflito doméstico. Mas o diretor Olivier Babinet prefere quase sempre corroborar a visão lúdica de seus objetos de estudo. Ao invés de investir numa abordagem mais observacional, ele parece disposto a intervir e dramatizar os depoimentos de acordo com a visão dos jovens – aqui aposta num plano aéreo que abandona o interior do quarto de Régis e abre para mostrar o enorme prédio onde ele mora; ali encena um número musical conduzido por Turgot, adoravelmente desajeitado com seus modos duros. Babinet obviamente também ensaia planos e contraplanos que, por vezes, trazem o documentário para algo mais próximo da ficção, soando ainda assim coeso graças à habilidade de abstração de seus entrevistados.
E é esse estranho equilíbrio entre fantasia e realidade que mantém a narrativa de Swagger tão apropriada a seus protagonistas, destacando habilidosamente as nuances que constroem o universo deles no nosso imaginário. É especialmente divertido, por exemplo, como o garoto Elvis Zannou, vindo da Costa do Marfim, numa rodada de depoimentos sobre amor, decide pontuar que a única vez em que se sentiu apaixonado foi por uma garota, não porque teme ser confundido com um gay, mas obviamente porque considera qualquer orientação sexual tão aceitável que não presume que seu interlocutor saberá que ele é hétero. Da mesma forma, é engraçado como a pequena Naïla pula de uma teoria conspiratória envolvendo o Mickey Mouse para outra, que tem a Barbie por trás de tudo, claramente sentindo-se perseguida por símbolos capitalistas ocidentais. Observações tão insólitas quanto interessantes que demonstram como um pequeno universo bem construído a partir de falas tão pueris pode ser um grande discurso sério sobre o bem maior que o rodeia.
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