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Sinopse

Ávido por vingança depois 15 anos de exílio forçado na Austrália, Benjamin Barker retorna a Londres e decide retomar o trabalho como barbeiro. Seu desejo é acabar com o homem que o afastou de sua mulher e de sua filha.

Crítica

Edward era tanto Frankenstein quanto Pinóquio. Construído por um daqueles “inventores malucos” tão recorrentes no universo ficcional, possuía o aspecto monstruoso do primeiro e a personalidade ingênua do segundo. Um detalhe, no entanto, o diferenciava: foi deixado incompleto, após a morte do seu criador, faltando-lhe um toque final – as mãos, que acabaram sendo substituídas por afiadas tesouras. Ele até tenta se enturmar na comunidade local, mas logo percebe ser incompreendido e acaba fugindo, perseguido pelos moradores. Quinze anos depois, ele decidiu voltar. Mas esse tempo em que esteve ausente lhe foi cruel, tendo lhe provocado drásticas mudanças. Ao invés de lâminas cruzadas, conta agora com navalhas. Não quer mais fazer o bem, e sim buscar vingança. E até o nome deixou para trás, preferindo atender por Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet.

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Ainda que um filme não seja oficialmente a continuação de outro, são inegáveis as semelhanças entre os dois projetos. Edward Mãos de Tesoura (1990) foi o primeiro longa do diretor Tim Burton com o ator Johnny Depp. Após outros quatro trabalhos em parceria, os dois se reuniram mais uma vez em Sweeney Todd, porém o registro mudou bastante nestas quase duas décadas que separam o primeiro do segundo. Tanto Todd quanto Edward, no entanto, são absurdamente pálidos, com vestimentas pretas que cobrem seus corpos por inteiro – seriam humanos ou fantasmas? – e cabelos desgrenhados e revoltos, em uma aparência que beira, de fato, o endiabrado. Ambos acabam trabalhando em salões de beleza, além de se refugiarem no mesmo cenário – o sótão do qual, à distância, conseguem observar com curiosidade e desdém toda a cidade. Edward quer se livrar das tesouras, e por causa delas acaba se metendo em confusão. Sweeney só se declara completo ao reencontrar suas navalhas, e faz delas instrumento de seu plano sanguinário.

Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet é o primeiro musical da carreira de Tim Burton, mas por mais que o cineasta tenha declarado não ser fã do gênero, este elemento está longe de lhe parecer estranho. Filmes como Os Fantasmas se Divertem (1988), Batman (1989), A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005) e, obviamente, A Noiva Cadáver (2005), possuíam forte influência estética e narrativa de determinadas canções, que pontuavam fortemente o desenvolvimento da ação. Nada, no entanto, comparável ao que se pode observar nesta abordagem aqui presente. O que chama mais atenção é sua entrega absoluta ao fantástico – o sangue que corre vivamente da sequência de abertura aos momentos climáticos da trama refletem uma catarse do protagonista, com exagero e surrealismo – e ao terror puro e simples. Ele já havia visitado esse tom anteriormente em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (1999), mas lá havia também muito humor, assim como se podia perceber em Marte Ataca! (1996) ou Ed Wood (1994). Eram quase brincadeiras, e dessa vez o assunto é de adultos.

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Condenado injustamente à prisão, Benjamin Barker (Depp) vê sua esposa e filha serem tomadas pelo juiz invejoso que o perseguia, Turpin (Alan Rickman). Mais de uma década depois, ele está de volta à Londres do final do século XIX, porém sob uma nova identidade – Sweeney Todd – e disposto a fazer o que for preciso para dar fim ao homem que tanto mal lhe causou. Para tanto, reassume a parte de cima da casa de Sra. Lovett (Helena Bonham Carter), que tenta sobreviver vendendo horríveis tortas de carne. Para a sociedade, Todd é um hábil barbeiro em busca de clientela. No seu interior, o que busca é atrair Turpin até sua cadeira, para que possa assassiná-lo enquanto o barbeia com o fio rente ao seu pescoço. Até lá, vai eliminando qualquer um que ouse aparecer em busca dos seus serviços, fornecendo, assim, matéria prima para as iguarias servidas pela moradora do andar de baixo.

Sweeney Todd é um Jack, O Estripador da ficção. Criado por Thomas Peckett Prest em uma série publicada nos jornais entre 1846-7, foi levado para o cinema anteriormente em 1936, por George King e, em 1998, por John Schlesinger. Entre um e outro, ganhou os palcos em diferentes versões em 1947, 1973 e, finalmente, em 1979 – esta escrita por Stephen Sondheim e Hugh Wheeler. Pois é justamente a que Tim Burton levou às telas, quase trinta anos depois, apoiando-se tanto no enredo macabro quanto nas músicas que contam essa história. Nem Depp ou Bonham Carter – os protagonistas – sabiam cantar, mas a dedicação e o treino ao qual se dedicaram para estes papeis foi tamanho que chegaram a revisitar o gênero posteriormente – ele em Caminhos da Floresta (2014), ela em Os Miseráveis (2012). E como este é um musical em que as canções narram os acontecimentos – ao invés de apenas comentá-los – as interpretações dos astros para composições como No Place Like London, My Friends, By The Sea e A Little Priest, por exemplo, são fundamentais para conferirem o tom certo almejado pelo realizador.

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Poderia ser dito que Sweeney Todd é a realização de uma visão criativa de Stephen Sondheim, de John Logan (autor do roteiro e produtor) ou mesmo de Richard D. Zanuck (vencedor do Oscar por Conduzindo Miss Daisy, 1989), o homem que primeiro acreditou no projeto. Mas nada do que é visto na tela seria possível sem o gênio irascível de Tim Burton. O ser deslocado recorrente em sua obra – Todd – tem apenas uma missão na vida, pois após tudo ter perdido, nada mais lhe interessa – nem a possibilidade de reaver aquilo que um dia foi seu por direito. O futuro da filha, a esposa que pode ou não ter sobrevivido, o amor de uma nova mulher: nenhuma dessas possibilidades lhe atrai. E assim como elimina os que se colocam no seu caminho, da mesma forma abrirá mão do próprio existir assim que não tiver mais o que fazer. O conto é triste e fúnebre, e a contradição de vê-lo narrado através de canções – historicamente ligadas à momentos de alegria e euforia – é típico de um artista inquieto que, mesmo disposto a surpreender, inevitavelmente alcançará o mesmo fim: a superação.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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