Sinopse
Yoav, um jovem israelense, chega a Paris em busca de uma nova vida. Determinado a extinguir suas origens, abandona a língua hebraica e se esforça de todas as maneiras para encontrar uma nova identidade.
Crítica
Um homem nu corre pelas escadas. Ele está sozinho, ninguém o ouve gritar. Pede por socorro, mas parece falar sozinho. Os ambientes pelos quais percorre – o apartamento onde encontra abrigo, o prédio que o recebe, as ruas que o circundam – são solitários, praticamente abandonados. Mesmo assim, alguém o espreita. Tudo o que carregava consigo desapareceu. Deitado numa banheira fria, adormece, entregue ao acaso que poderá levá-lo tanto para a morte, quanto para a vida. Felizmente, é essa segunda que o acorda. Quando desperta, há um casal à sua frente. Ambos o observam com desejo e espanto. Querem tê-lo, na mesma proporção que o refutam. Qual será o destino de Yoav (a revelação Tom Mercier), entregue a anfitriões como esses? Essa é a grande questão por trás dos acontecimentos de Synonymes, uma tragédia eficaz em dissimular suas reais intenções até o último instante, hábil em deixar o espectador tão absorvido pela absoluta normalidade dos fatos que, quando este percebe o que está realmente se passando, já será tarde demais.
Yoav deixou sua Israel natal em busca de normalidade. Para tanto, se mudou para Paris, mesmo tendo pouco mais do que aquilo que conseguiu guardar em sua mochila. Logo na primeira noite, perde tudo, e fica, literalmente, com uma mão na frente, e outra atrás. Mas trata-se de um rapaz bonito, atlético, que sabe se expressar. Como costuma acontecer nesses casos, a sorte não tardará a sorrir. Emile (Quentin Dolmaire, de Três Lembranças da Minha Juventude, 2015) e Caroline (Louise Chevillotte, de Amante Por Um Dia, 2017) escutam seu apelo desesperado, e mesmo receosos, decidem partir ao seu encontro. São eles que o salvam, mesmo estando a suposta vítima acostumada com situações adversas como essa: “não seria a primeira vez que ficaria congelado, e se não morri antes, não teria porque agora ser diferente”. Ele aceita o que lhe é oferecido. Seus heróis lhe dão roupas, dinheiro, até mesmo um smartphone. O chamam para morar com eles, mas mesmo quem nada tem, conserva um mínimo de orgulho. Opta por ir adiante, e tenta fazer seu próprio caminho. Desvencilhar-se de quem um dia lhe esticou a mão, no entanto, não é algo simples.
Por mais devastada, envelhecida e empobrecida que esteja, a Europa segue como uma importante referência. Países de todos os cantos do mundo, principalmente aqueles em regiões periféricas, continuam vendo no Velho Continente a resposta para muitos dos seus problemas. Mas esse, tanto hoje, como a História prova ter sido prática desde tempos imemoriais, prefere tirar dos demais apenas o que lhe convém, abandonando sem piedade aqueles que lhe foram tão próximos quando não mais vê neles qualquer serventia. Assim é a relação de Emile e Caroline com Yoav. Ambos o querem. O primeiro encontra nele inspiração. A segunda descobre na cama do estranho o sexo que tanto lhe fazia falta. Aproveitam corpo e mente. O deixam exaurido, explorando cada centímetro exposto. Pagam o que for preciso, prometem o que convém no momento, e mesmo compromissos assumidos são esquecidos no instante seguinte. Enquanto isso, aquele que estava perdido permanece em sua jornada em busca por orientação. Um guia que parece estar à disposição por todos os lados, mas só fará sentido quando vindo de dentro.
O diretor e roteirista Navad Lapid (A Professora do Jardim de Infância, 2014) faz do seu protagonista um retrato do mundo no século XXI, consumido por aquilo que lhe foi cobrado nesse caminho até aqui. A inspiração nos clássicos da Nouvelle Vague é evidente: desde a composição do personagem de Dolmaire, nitidamente inspirado no truffauniano Jean-Pierre Leaud, até a câmera nervosa, que os acompanha por corridas desenfreadas pelas ruas da capital francesa ao mesmo tempo em que perscruta seus corpos com um cuidado minucioso, o que se vê é um mergulho numa técnica e estilo de meio século antes, ao mesmo tempo em que direciona seus olhares para um futuro cada vez mais incerto e impreciso. Não há dúvidas que estes três seres em conflito se amam. Da mesma forma, dois deles farão o que for preciso para manter suas condições originais quando o interesse repentino acabar. Ao restante, caberá apenas lutar por um espaço que já foi seu por direito, mas que agora não mais o reconhece. Tudo que tinha para oferecer, perdeu valor. As palavras soam todas iguais, desprovidas de sentido.
Da refeição repetida, contabilizada até os últimos centavos, à promessa de uma fuga que nunca chega a ser concretizada, do chamado de volta à casa até a esperança de uma nova família a ser construída, Yoav está tanto em fuga quanto à procura de si mesmo. Os sinônimos com os quais se distrai se revoltam, o agridem, e também o deixam sem demonstrar remorso. A força bruta não lhe convém, por mais que talvez seja seu último recurso. As portas estão todas fechadas. Não adianta bater, nem insistir, muito menos forçar a entrada. A dor desta cruel realidade exige seu preço, e permanecerá latejando em cada um dos seus desdobramentos. O que foi vislumbrado, não passou de mera ilusão. É preciso resistir, mas onde encontrar energia para seguir lutando quando mais ninguém parece estar ao seu lado? Synonymes faz das suas imagens o seu real discurso, mais do que aquilo que é proferido em diálogos aparentemente banais, mas que encontram significados somente após muita reflexão. Parece estar ao alcance de todos, mas quando a confusão aumenta, é bom não se enganar: as distâncias continuam vivas, e os desafios são ainda maiores.
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