Crítica
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Sinopse
Com nove anos, Benni é revoltada, agressiva e imprevisível. Expulsa de todas as escolas onde estudou, ela não vive com a mãe, que tem medo dela. O serviço social contrata Micha, especialista em controle de raiva, para acompanhar a garota na escola.
Crítica
Para Benni (Helena Zengel), a jovem protagonista de Transtorno Explosivo, há apenas um objetivo, claro e imutável, em sua vida: voltar a morar com a mãe, Bianca (Lisa Hagmeister). Para aqueles que estão à sua volta, contudo, esse desejo aparentemente simples se revela quase impensável, levando a uma jornada tortuosa e exasperante para todos os envolvidos. Isso porque a garota, de apenas 9 anos, apresenta um transtorno grave de personalidade, responsável por seu comportamento instável, marcado por consecutivos rompantes de fúria e violência. Entregue ao serviço social por Bianca – sem saber como lidar com tal condição e temendo ainda pela segurança de seus dois filhos mais novos – Benni parece se encontrar num beco sem saída, pois, após passar por diversas instituições, escolas e lares adotivos, poucas e drásticas opções se abrem para seu futuro, como um programa de socialização fora do país (na África) ou a internação precoce em um reformatório juvenil.
Estreando em longas ficcionais, a diretora alemã Nora Fingscheidt joga o espectador, sem cerimônias, no meio desse turbilhão emocional, encadeando uma sequência de ataques de raiva de Benni que, de imediato, estabelece a atmosfera angustiante pretendida, reforçada pelo registro intenso e realista, de câmera na mão inquieta e planos fechados captando cada expressão da garota. Tal registro se encarrega de explicitar a percepção acerca do deslocamento de Benni em relação ao mundo, expondo um dilema que soa insolucionável. Uma fresta de esperança, porém, surge com a chegada de Micha (Albrecht Schuch), especialista em controle da raiva escalado para fazer o acompanhamento escolar da protagonista. Em meio a todos os tratamentos e medicamentos imagináveis testados sem efeito, Micha propõe uma abordagem nova. Com o aval da assistente social responsável, Sra. Bafané (Gabriela Maria Schmeide), ele decide levar Benni para uma temporada em um chalé isolado na floresta, sem energia elétrica, TV ou acesso à internet.
Essa espécie de regressão ao primitivo, por meio do contato com a natureza, se mostra pertinente, dado, justamente, o instinto indomável aflorado de Benni. Entre os conflitos iniciais e finais que marcam o experimento, surge a perspectiva da mudança, acompanhada de boa parte dos respiros de calmaria e introspecção do longa. Fingscheidt conduz toda essa construção mantendo um nível de austeridade, numa mescla do tom geral, realista e urgente, a fragmentos de fantasia, que geralmente precedem as explosões de Benni. São esses momentos explosivos, no fim, que dominam a narrativa, sendo de fato essenciais à mesma. A certa altura, contudo, a repetição quase incessante faz com que o impacto da histeria generalizada, com seu efeito aflitivo, seja diluído consideravelmente, deixando gradativamente de surpreender. Ao ter esse efeito minimizado, certas fragilidades passam a ser mais notadas, como a alta exigência de suspensão de descrença acerca da postura dos personagens adultos diante das atitudes de Benni. Pois, por mais que se compreenda a boa vontade em relação à garota, por vezes é difícil aceitar o excesso de condescendência ou a facilidade com todos são ludibriados por uma criança.
Outro ponto frágil são as oportunidades perdidas de se aprofundar mais em certos temas de interesse que orbitam o drama central, como a questão da dificuldade de aceitação da maternidade ou mesmo a investigação dos meandros do sistema de amparo social. Ainda que os personagens desse universo sejam responsáveis por algumas boas passagens, como a emotiva cena em que a Sra. Bafané se entrega ao desespero diante de mais uma derrota, na maior parte do tempo, essas figuras exercem papéis meramente funcionais, enquanto a exploração das rachaduras desse sistema é apenas protocolar. Mesmo apresentando esses aspectos irregulares, o trabalho de Fingscheidt possui ao menos duas grandes virtudes que servem para amenizá-los. A primeira é o fato de se manter fiel ao espírito desafiador de sua protagonista, não se rendendo a resoluções palatáveis e contemporizadoras que se insinuam, conseguindo, neste ponto, preservar alguma imprevisibilidade.
A segunda, e principal força de Transtorno Explosivo, está na revelação mirim Helena Zengel. Demonstrando uma desenvoltura impressionante, a jovem responde ao exigente papel com uma entrega plena, não apenas no que diz respeito à histeria já citada, por vezes dura de assistir, mas também na capacidade de sustentar a empatia pela personagem, mesmo quando esta expõe sua faceta manipuladora e flerta perigosamente com a psicopatia. A naturalidade e sinceridade transbordam de Zengel, dos momentos mais incômodos aos mais leves e bem-humorados, como a cena do restaurante ou na maior parte do segmento do isolamento na floresta. Cativante, seu desempenho faz com que, mesmo frente aos atos mais questionáveis, enxerguemos Benni como a principal vítima de sua condição. Uma legítima força da natureza, incontrolável, como bem reafirma o desfecho lúdico e rebelde oferecido por Fingscheidt.
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