float(4) float(1) float(4)

Crítica


6

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

No período da ditadura militar, mesmo com toda brutalidade, truculência e obscurantismo inerentes aos regimes de exceção, muita gente fez rir. O humor serviu como arma de resistência, mas também como válvula de escape, criou formas de driblar patrulhas e censuras, revolucionou linguagens, criou, debochou, divertiu, foi perseguido, proibido, encarcerado e, ainda bem, riu por último.

Crítica

A premissa de Tá Rindo de Quê? abre uma série de boas possibilidades. O documentário dirigido por Claudio Manoel, Álvaro Campos e Alê Braga se lança num bem-vindo escrutínio da ação dos humoristas em um dos períodos mais sisudos de nossa história recente, a Ditadura Civil-Militar que vigorou por mais de 20 anos no Brasil. Às brutalidades do regime, homens e mulheres respondiam com bom humor, geralmente expressando em charges e esquetes observações que não poderiam existir de outra forma. Assim, fazer graça se tornou um dos principais estatutos de resistência aos anos de chumbo. Formalmente convencional, no mais das vezes enfileirando depoimentos registrados de forma pouco criativa visualmente, o documentário, no entanto, extrai sua potência e relevância da maneira como articula as falas de gente naturalmente engraçada, como Agildo Ribeiro, Jaguar e Ary Toledo, criando um percurso curioso, em que é possível compreender melhor a atuação dos artistas na era de repressão.

Na primeira metade do filme, absolutamente aferrada ao seu princípio norteador, há um alinhave relativamente bem-sucedido de testemunhos que se completam para estabelecer uma imagem ampla. As motivações políticas são postas na mesa, com as pessoas chegando a discutir, inclusive, o desconforto de não se alinhar necessariamente à esquerda ou à direita. Os modus operandi singulares, uma vez verbalizados, dão uma ideia dos procedimentos diversos por meio dos quais se burlava a dureza da censura, a dificuldade que era abusar da criatividade quando o governo estava em constante alerta para repreender os chamados “subversivos”. São sintomáticos os instantes em que Boni, uma verdadeira lenda viva da televisão brasileira, se refere ao golpe militar de 1964 como “revolução”, eufemismo que praticamente passa batido, não chegando a ser alvo de uma observação contundente em cena. Surge, também, o deslocado elogio de Roberto Guilherme, devidamente sublinhado pela montagem.

Tá Rindo de Quê? , porém, de forma inexplicável, vai se afastando do núcleo, deixando de lado a sua ligação entre humor e ditadura, passando a inventariar carreiras humorísticas importantes no período, mas sem o fio condutor outrora tido como fundamental. Chico Anysio ganha um espaço generoso, com amigos e familiares falando acerca de sua genialidade na construção de tipos distintos, e imagens de arquivo asseverando a qualidade do trabalho desse cearense que marcou gerações. Logo depois, é a vez dos Trapalhões, com uma análise do perfil de Renato Aragão e diferenciações de estilo entre ele e seus contemporâneos, mas novamente sem relação estrita com a Ditadura. O longa perde de vista seu objetivo principal, logrando êxito em relembrar obras de densidade praticamente inquestionável, mas deixando a desejar justamente por não permanecer estudando o desenvolvimento das várias manifestações de humor sob o jugo dos rígidos ditames militares.

Tá Rindo de Quê? é um filme desigual, mas nem por isso desinteressante, especialmente em virtude do carisma das pessoas diante da câmera. Mas, outro elemento subaproveitado é a atuação do grupo teatral Asdrubal Trouxe o Trombone, formado por Regina Casé, Hamilton Vaz Pereira, Luíz Fernando Guimarães, Evandro Mesquita, Patricya Travassos e tantos outros. Por ser uma trupe que pregava alegria a despojamento, ela era alternativa à austeridade então prevalente. Claudio Manoel, Álvaro Campos e Alê Braga abordam essa trajetória timidamente, sem estabelecer vínculos sólidos o suficiente entre a irreverência dos palcos e o clima de terror que reinava socialmente. Outro ponto praticamente atirado no filme é a função das comédias eróticas cinematográficas, as pornochanchadas. Fica a impressão de que os realizadores desejavam, inclusive acima da fidelidade ao enunciado, fornecer um painel amplo das décadas de 60, 70 e parte dos anos 80, tendo como fio condutor a comédia. Todavia, a falta de foco enfraquece o todo, ainda não seja capaz de lhe tirar seus bons méritos.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Roberto Cunha
6
MÉDIA
6

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *