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Sinopse

O amor de um jovem casal está ameaçado na ilha de Bora Bora, no sul do Pacífico. Os problemas começam quando o líder comunitário declara que a menina é uma virgem sagrada.

Crítica

Vindo da Alemanha já sob o inconteste status de mestre do cinema, F. W. Murnau desembarcou nos Estados Unidos em 1926, realizando três longas, dentre os quais o sublime Aurora (1927). A experiência americana, contudo, não foi inteiramente agradável para o cineasta, que entrou em constantes conflitos com executivos de estúdio pelo controle de seus trabalhos, especialmente no caso de O Pão Nosso de Cada Dia (1930). A insatisfação com as regras do jogo da indústria hollywoodiana levou Murnau a romper com o sistema, partindo para a Polinésia Francesa em uma jornada libertadora ao lado do renomado documentarista Robert Flaherty. Assim surgiu Tabu, longa rodado nas ilhas do Taiti e Bora Bora, que trata do romance entre os jovens nativos Matahi e Reri.

Um romance proibido, pois Reri é escolhida por Fanuma, senhor das ilhas dos mares do sul, como substituta da virgem sagrada dos deuses, tornando-se um Tabu: uma mulher proibida aos desejos, e mesmo aos olhares, dos homens. Enviado por Fanuma, o guerreiro ancião Hitu chega para levar Reri, porém, na calada da noite, Matahi a resgata e os dois fogem para uma ilha distante. Através da saga do casal que luta pela manutenção de seu amor imaculado, Murnau propõe uma busca pelo que há de mais primordial nos sentimentos e na forma cinematográfica. Razão pela qual, mesmo com o advento do cinema falado, realiza um filme mudo, utilizando apenas habitantes locais num elenco não profissional. A escolha revela também a influência documental de Flaherty, cuja participação, que inicialmente seria maior, acabou restrita ao registro das cenas de abertura.

A sequência, que se inicia com Matahi e outros nativos pescando com arpões, passando a uma cachoeira onde encontram as mulheres se banhando, evidencia a beleza e a fisicalidade dos corpos que se movimentam sobre as águas límpidas refletindo os raios solares. Tais imagens sintetizam a expressão máxima da pureza almejada por Murnau, estendida também ao amor de Matahi e Reri. Contudo, o anúncio da chegada da embarcação que traz Hitu abala essa comunhão perfeita, com toda a população local se pondo ao mar em suas canoas, numa cena grandiosa e hipnótica captada pelas lentes do diretor de fotografia Floyd Crosby. Os rituais que se seguem, com Matahi tomando o espaço na dança com Reri, prenunciam uma mudança drástica e dolorosa. Ao se despedir da mãe, a jovem virgem também se despede do Paraíso – título do primeiro capítulo, que então se encerra, do longa.

O adeus ao lar marca ainda o adeus à inocência do casal, que chega a um novo local já dominado pela civilização moderna e seus valores deturpados, o Paraíso Perdido – como é denominado o segundo capítulo. O poder do dinheiro, a ganância e a corrupção, aos poucos, exercem seus efeitos sobre os dois, mesmo que não tenham uma noção plena desses conceitos “desenvolvidos”. Com isso, Murnau faz uma referência ao seu desgosto em relação à Hollywood, onde a intervenção dos executivos impedia a manifestação pura de sua arte. Assim como as leis de mercado e dos estúdios se punham no caminho do alemão, as leis dos homens, do capital, se tornam obstáculos para Matahi e Reri, já que as dívidas contraídas com os gastos de uma festa impedem que comprem as passagens de navio para fugir novamente.

O dilema leva Matahi – que na nova ilha ganha a vida com a extração de pérolas, se valendo de sua exímia habilidade como mergulhador – a arriscar a vida mergulhando em um local – guardado por um mortal tubarão – considerado sagrado pelos nativos. Ali se apresenta o segundo tabu – uma placa com a inscrição é colocada como aviso aos mergulhadores – a ser quebrado por Matahi, porém, não sem consequências. Murnau oferece uma visão trágica de um mundo que não permite mais espaço à inocência, dominado por normas – modernas e ancestrais – implacáveis, materializadas na figura sombria de Hitu. Nas aparições noturnas do ancião, que assombram Reri, o diretor lhe confere uma aura quase sobrenatural, instaurando brevemente a dúvida entre o real e o fantástico. Fantasia assumida plenamente na belíssima sequência do sonho de Matahi, marcada por inventivas fusões de imagens.

Assombrosa também é a fluidez narrativa de Murnau, calcada em uma simplicidade cortante, que habilmente abre mão das cartelas de transição tradicionais dos filmes mudos, utilizando elementos de cena, como os pergaminhos trazidos por Hitu e os relatórios do policial, para detalhar os elementos mais complexos da trama. O mesmo artifício é usado com o tocante bilhete escrito por Reri, no qual se despede aceitando seu destino em nome da vida do amado, enquanto ele luta com o tubarão em busca de um tesouro inestimável: a pérola negra. No entanto, na visão fatídica do cineasta, nem mesmo o maior dos tesouros pode trazer a felicidade a Matahi, pois não há como vencer a mão do destino. A mão de Hitu, que fecha o alçapão confinando Reri em seu desconsolo, que corta a corda quando o jovem apaixonado está prestes a subir no navio, deixando-o ser engolido pela imensidão das águas que antes dominara. A mão de um destino irônico, pois, assim como o casal impedido de vivenciar a plenitude de seu amor, Murnau também não pôde desfrutar o resultado de seu trabalho, vindo a falecer, aos 42 anos, em um acidente automobilístico dias antes do lançamento de Tabu, o testamento da beleza monumental de seu cinema.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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