Crítica
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Sinopse
Teo é um advogado bem-sucedido, casado e com dois filhos. Há anos ele carrega um segredo: o desejo de se transformar em uma mulher. Decidido a seguir seu coração apesar de todas as dificuldades que irá enfrentar, ele começa a realizar sua transição de gênero para se tornar Tamara por completo.
Crítica
Tamara Adrián entrou para a história da Venezuela. E além dos motivos referentes a sua carreira social e política, talvez o que mais tenha pesado nesse reconhecimento foi o fato de ter nascido como Téo. Sua militância e resistência em nome dos direitos LGBTI acabou por torná-la reconhecida em todo o país, e mais do que isso, com ações que repercutiram pelo mundo inteiro. E é esta a trajetória de lutas, derrotas e conquistas que acompanhamos em Tamara, longa da diretora e roteirista Elia K. Schneider. Em conversa com a realizadora, ela afirmou que o que é visto na tela tem apenas 40, talvez 50% da história da própria biografada, e que o resto seria fruto de uma intensa pesquisa com outras pessoas nas mesmas condições. Ou seja, mais do que um filme, o que encontramos é o resultado de um amplo painel sobre uma realidade que muitos insistem em negar, em refutar, em empurrar para debaixo de tapetes ou para dentro de armários. Uma situação, obviamente, que não pode seguir sendo ignorada, e que ganha luz e cuidados através de uma realização não desprovida de poréns, mas repleta de tantos méritos que merece ser vista com atenção e profunda análise.
Após anos de estudo na Espanha, Téo precisa retornar a Caracas para o enterro do irmão. Ao chegar, se depara com a casa da família distante dos tempos de fartura de outrora, lá residindo apenas a mãe, sozinha e um tanto desorientada. Sua condição frágil, agravada por uma enfermidade pontual, o obriga a permanecer mais tempo no país natal do que havia imaginado. Quando chegou, usava cabelos compridos e saltos altos, além de roupas andróginas, que se não o faziam feminino, também o afastavam do estereótipo masculino. A realidade venezuelana, no entanto, é distinta da europeia, algo que ele é relembrado a cada instante a partir do minuto que desembarcou. E assim vai se vendo, gradualmente, abandonando sua porção mulher, a soterrando sobre uma cortina heterossexual que lhe permita se encaixar naquele novo momento de vida.
Ao se assumir como Téo de uma vez por todas, retoma a prática do direito e, competente por certo, logo se vê empregado em um bom escritório, ganhando o suficiente para manter-se a si e à mãe doente. Como o hábito faz o monge, se deixa levar por um namoro de fachada que em questão de tempo adquire ares mais sérios. Assim, do jovem libertário para o homem sério, do rosto maquiado para a face barbada, das roupas de panos soltos para o terno e gravata, a transformação é radical. Schneider não se preocupa com a velocidade das elipses. Em pouco mais de um terço da trama, nos deparamos com um homem no melhor estilo macho latino-americano, pai de família, carinhoso e provedor. No entanto, na primeira ocasião em que se vê sozinho, pega o carro e sai à noite em busca de profissionais do sexo. E não qualquer uma. Vai atrás de travestis. E ao sair com uma, seu interesse não é em uma transa rápida. A curiosidade é que o move. Quer ver – e descobrir – não apenas quem é aquela ao seu lado, mas também perceber como pode ser sua própria transformação.
Schneider tem muito a dizer em Tamara. E no interesse de deixar o mínimo possível de fora, a quantidade acaba por prejudicar a qualidade. Há um acúmulo de fatos e objetos, grande parte sem o espaço e o tempo necessários para serem aprofundados ou debatidos. Por outro lado, o caso já é, por si só, tão único e potencializado por episódios relevantes, que a partir dessas exposições há elementos suficientes para que a reflexão se faça pelo lado da audiência. Téo é Tamara, assim nasceu no seu interior, e o seu processo de transformação, por mais estranho que acabe soando aos olhos dos outros, é parte de sua natureza. No entanto, há características que mereciam um olhar mais de perto. Por exemplo, Tamara é lésbica – ou seja, gosta de mulheres. Por isso que o casamento de Téo é compreensível. E quando decide virar Tamara – inclusive, com uma cirurgia de redesignação sexual – é com uma mulher que quer continuar ao lado. A relação com a mãe – que sempre lhe apoiou – ou com o pai – que o renegava – também é vista apenas brevemente. Pior, ainda, era o trato com os filhos, que não são mais do que citados quando crianças, e posteriormente descartados da narrativa.
A personalidade de Tamara, como a de qualquer pessoa inteligente, ativa e consciente das suas ações, é complexa e multifacetada. Ela veio a se tornar a primeira transexual a ser eleita deputada federal na Venezuela, mas, antes disso, foi professora universitária, enfrentando de cabeça erguida a rejeição e o preconceito de alunos e colegas professores. Mesmo assim, se sobrepôs aos que eram contrários a sua presença no ambiente de ensino. Como? Com muito esforço e dificuldades, imagina-se, mas nada que seja tão aprofundado como, provavelmente, merecesse. Há muito a se debater a respeito em Tamara. Elia K. Schneider sabe disso, mas reconhece também que não se pode abraçar o mundo com as pernas. Por isso faz escolhas, algumas felizes, outras nem tanto. Em resumo, entrega um filme que abre várias portas, porém a decisão de atravessá-las cabe mais ao espectador do que a quem está contando essa história. O convite está feito, portanto. E as descobertas a partir dele, como se percebe, podem ser diversas, em ambos os lados da tela.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Marcelo Müller | 4 |
MÉDIA | 5.5 |
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