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Sinopse

Prestes a pedir a namorada em casamento, Marcos é largado pela então ex-futura esposa. Para completar, é demitido, o que o leva a voltar a morar com os pais. O encontro com uma conhecida dos tempos da escola, a quem nunca tinha dado muita atenção quando jovem, mudará essa maré.

Crítica

Te Quiero, Imbécil é um filme um tanto quanto estranho, por mesclar elementos da contemporaneidade com vícios antiquados, que reafirmam a gangorra desigual entre homens e mulheres. Se já nos primeiros minutos a comédia romântica apresenta frescor ao mostrar seu protagonista conversando com o público, em uma constante quebra da quarta parede que remete a Fleabag (2016 - 2019) pelo convite à cumplicidade, logo em seguida o mesmo personagem passa a reafirmar a imagem do macho pegador, que objetifica as mulheres como alguém cujo único objetivo é lhe dar prazer. Por mais que até possa ser justificada pelo rancor decorrente da recusa a um pedido de casamento, tal postura egocêntrica jamais é colocada em questão durante todo o longa-metragem. Pelo contrário, em alguns momentos até a defende.

Supostamente, tal comportamento seria uma das facetas do "homem do século XXI", aquele que olha mais para si que aos demais. Boa parte do roteiro escrito por Abraham Sastre e Iván Bouso se dedica justamente a esta busca de Marcos (Quim Gutiérrez, burocrático), que acaba de levar um pé na bunda da noiva e ainda por cima fica desempregado, em uma tentativa quase desesperada em se reinventar. Para tanto, ele nem pensa duas vezes ao indicar um colega de trabalho para ser demitido em seu lugar ou mesmo ao chantagear seu melhor amigo, ameaçando revelar seus casos por aí. Ou seja, trata-se do perfil de um homem egoísta, que naturalmente desperta antipatia com pouco tempo em cena.

Para contrabalançar, Raquel é seu extremo oposto. Sorridente e carismática, extrovertida e luminosa, é tudo aquilo que Marcos não é - e é claro que a fórmula dos opostos se atraem aqui será mais uma vez aplicada. Entretanto, a questão maior não é propriamente a previsibilidade do que acontecerá, mas sim a discrepância sobre como o filme trata seus dois personagens principais. A começar pela paixonite adolescente despertada já no reencontro, quando ele não dava a menor atenção a ela devido ao seu peso. Já neste instante, o roteiro opta pela condescendência em relação a Marcos, jamais questionado e com imensa facilidade para estabelecer uma amizade que, no fim das contas, lhe serve mais como ouvido para que possa expôr suas ânsias em busca do sexo a todo custo. Ou seja, mais uma vez ele é quem importa, ela é mera escada.

Assim é por todo o longa-metragem, que abre mão até mesmo da esperada jornada de autodescoberta que resulta na mudança de mentalidade - isto jamais acontece! Se tal viés masculino replica um sem número de preconceitos inseridos na sociedade ao longo de décadas, aqui ele é também explicado pelo fato do roteiro ter sido escrito por dois homens. Estranho mesmo é a direção caber a uma mulher, Laura Mañá, que não só ratifica tal postura como promove um deserviço a todo o esforço existente para que as mulheres não só ocupem cargos relevantes no mundo do cinema como, também, possam expor sua visão de mundo. Aqui, Mañá é mera figurante no posto de diretora, sem nem ao menos tentar alterar o status quo vigente desde sempre. Subserviência total.

Diante de tantos problemas conceituais, o pouco que sustenta Te Quiero, Imbécil, por ironia, é justamente Natalia Tena. Por mais que sua personagem tenha sido construída de forma a naturalmente ser solar, a competência da atriz ajuda bastante nesta tarefa. Pena que sua Raquel seja tão negligenciada pelo roteiro, abrindo mão de sua individualidade para atender aos caprichos e necessidades do macho alfa desta história.

Equivocado e antiquado, Te Quiero, Imbécil é um filme previsível que, em determinado momento da narrativa, simplesmente se esquece da proposta inicialmente empregada em torno da quebra da quarta parede e jamais volta a usá-la. Como curiosidade, há ainda a presença de Eduardo Alterio como um influencer de auto-ajuda, intencionalmente estereotipadíssimo, que reflete de forma bem rasa outra faceta da sociedade contemporânea, em sua busca por um messias capaz de salvá-lo de suas aflições e ensinar o caminho das pedras sem qualquer contestação, como se o culto cego fosse o caminho a ser seguido.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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