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Crítica


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Sinopse

Ao ser libertado da cadeia - à qual foi condenado por reiteradas agressões - Arturo precisa cumprir horas de serviço comunitário numa instituição para jovens como Síndrome de Asperger. E ele é cativado pelo talento de Guido.

Crítica

A produção ítalo-brasileira Tempero do Chef utiliza uma das fórmulas mais batidas do cinema. Senão vejamos. O protagonista é um sujeito que aparentemente chegou ao fundo do poço. Depois de se estrepar, o sujeito está em busca de uma nova chance. E essa oportunidade de se tornar uma pessoa melhor aparece ao conhecer (e adiante aceitar) um universo completamente diferente do seu, ao qual é muito resistente num primeiro momento. O problema não está na reutilização desse esqueleto narrativo, mas na adesão irrestrita aos seus lugares-comuns mais básicos e desgastados. Arturo (Vinicio Marchioni) é apresentado no momento em que está deixando a cadeia à qual foi condenado por ser um agressor reincidente. Ex-chef de cozinha prodigioso, esse homem colocou o próprio futuro a perder por ser impulsivo e não controlar traços violentos de seu comportamento. Porém, há poucos indícios desse passado recente que determina sua dificuldade de reinserção social. Quando muito escapam algumas intolerâncias leves e pontuais destaques ao seu jeito meio brutamontes de lidar com algumas sutilezas da vida na coletividade. Como parte do alívio da pena, ele terá de cumprir horas de serviço comunitário numa instituição que dá suporte a jovens com Síndrome de Asperger. Não é muito difícil prever cada passo que o longa-metragem dará rumo a um encerramento em que todos os problemas são plenamente resolvidos. Novamente: a fragilidade é a falta de personalidade, a simples obediência ao modelo.

O cineasta Francesco Falaschi trabalha a partir de um contexto bem conhecido nesse tipo de filme. Arturo chega a quase desdenhar dos alunos autistas, é supervisionado por uma psicóloga bonitona (obviamente a séria candidata a interesse romântico) e, aos poucos, começa a se afeiçoar especificamente pelo menino prodigioso (como ele foi) que parecer ter olfato e paladares perfeitos. Ao mesmo tempo, acaba encontrando um antigo amigo que o coloca em contato com investidores semelhantes a mafiosos. Pronto, está armado o cenário propício às rasas lições de moral fundamentadas no altruísmo diante da necessidade do outro. Guido (Luigi Fedele), o menino autista que se destaca dos demais, floresce ao conhecer o professor ranzinza? Certamente. E o filme bem que poderia ser sobre sua jornada de crescimento num mundo absolutamente hostil às condições especiais. Mas, não. Tempero do Chef prefere transitar por um terreno bastante visitado anteriormente por produções semelhantes, sobretudo ao nunca perder de vista que o protagonista é o sujeito a ser melhorado para voltar aos trilhos. Nesse sentido, Guido serve tão e somente como mera prova de resistência para o irritadiço Arturo conseguir se transformar numa pessoa melhor e, ao mesmo tempo, ganhar como recompensa dessa nova condição a desejada chance de recomeçar sem riscos (físicos e morais). O trajeto é esquemático.

De certo ponto em diante, Arturo e Guido caem na estrada rumo a um concurso de jovem chef. E Tempero do Chef segue empregando diversas facilidades, passando frequentemente por cima das complexidades do cenário a fim de alcançar o objetivo de sublinhar a beleza do encontro. Evidentemente, a mensagem é muito bonita, sobretudo nos tempos atuais, em que a aceitação das diferenças é combatida por uma minoria agressiva e ruidosa. Porém, o que enfraquece a proposta por aqui é a simplificação do material humano, das emoções e dos comportamentos, ao ponto de transformar a história num "museu de grandes novidades", como diria Cazuza. Não restam dúvidas de que o ex-chef se tornará tolerante ao companheiro de viagem tão logo compreenda as particularidades de sua condição, assim estando apto aos prêmios reservados aos justos e penitentes. Em vez de observar de perto a caminhada do menino que finalmente parece encontrar algo que o ajuda a derrubar as tantas barreiras do seu cotidiano, o filme prefere situa-lo como uma prova de resistência para definir que Arturo é efetivamente merecedor do paraíso. Depois de tolerar, de aquietar seu espírito agitado, de se provar moralmente superior ao seu inimigo inescrupuloso do passado, ele poderá exibir novamente seus talentos, ter a companhia do amado mestre e da belíssima mulher que o aceita com paixão.

Francesco Falaschi desperdiça ótimas oportunidades para, ao menos, dar personalidade ao resultado, principalmente durante as provas do concurso. Ora, estamos falando de um filme no qual a culinária poderia ser esse diferencial com seus aromas, sutilezas e sensações. No entanto, em Tempero do Chef isso não acontece, já que a gastronomia vira uma moldura pálida. Se o ambiente fosse outro, por exemplo, a mecânica de automóveis, poucas coisas mudariam, pois o realizador não investe nas particularidades da arte do sabor. No fim das contas, o que importa é pavimentar a estrada para Arturo ser digno de uma vida feliz. A personagem feminina principal, vivida por Valeria Solarino, o mestre de Alessandro Haber e o nêmeses de Nicola Siri são apenas pequenos astros gravitando em torno de um planeta em crise, respectivamente, a escora emocional, o sujeito que ainda tem algo a ensinar e o exemplo do qual se distanciar. E para coroar a disposição do realizador pelos lugares-comuns desse tipo de enredo, claro que há o momento em que Arturo precisará decidir se ampara o pupilo nas finais do concurso ou se parte rumo ao que lhe parece um atalho rumo aos bons e velhos tempos. Na sua óbvia decisão está implícito que: se ele pensasse apenas em si, o novo sucesso talvez seria uma festa passageira; ao entender o que realmente importa, poderá alcançar a felicidade. Simples assim.

Filme visto online, em novembro de 2011, dentro do 16º Festival de Cinema Italiano.

 

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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