Crítica
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Sinopse
Durante o veraneio numa praia tropical isolada, uma família descobre que o tempo ali está passando de forma completamente diferente, bem mais aceleradamente. Vidas inteiras podem ser reduzidas à existência de um dia.
Crítica
Por mais que muitos pensem ter sido O Sexto Sentido (1999) seu trabalho de estreia – afinal, era o terceiro filme dirigido por ele – o impacto foi tanto que M. Night Shyamalan passou a ser chamado como o “novo mestre do suspense”, em uma referência óbvia ao grande Alfred Hitchcock. Diante de Tempo, o décimo quarto longa de sua filmografia, a impressão é que tamanha responsabilidade lhe foi transferida depressa demais, e que o cineasta indiano, naturalizado estadunidense, talvez tenha faltado a mais de uma aula do diretor responsável por títulos como Os Pássaros (1963). Afinal, o que um fez nessa obra referencial com destreza e habilidade, o outro estraga com insegurança e excesso de informações. Apesar de ser eficiente em criar um ambiente intrigante e gerar a partir desse uma atmosfera envolvente, subestima a inteligência do público, terminando por jogar no ocaso até mesmo os ganhos iniciais, desperdiçando uma promessa que não chega a se cumprir.
Trailers por demais expositivos deixavam claro o argumento dessa história: um grupo de desconhecidos se verá preso em uma praia dotada de uma anomalia temporal. Lá, o passar do tempo se dá de forma mais rápida para seres orgânicos. Ou seja, meia hora equivale a um ano, tanto para a natureza humana como para animais. Isso fica evidente primeiro nas crianças – um menino de seis anos, poucas horas de brincadeira na areia, estará com a aparência do dobro da sua idade – mas também no cenário – não há peixes no mar, e o cachorrinho de estimação de uma das famílias ali presa irá falecer logo em seguida. O efeito do envelhecimento não tardará a se manifestar também nos adultos: rugas, aceleração de doenças, fraquezas e esquecimentos. O contexto, como se percebe, é desesperador. E seria ainda mais angustiante se essa sensação fosse compartilhada com a audiência. O que, infelizmente, acaba não acontecendo devido à insistência do realizador em oferecer explicações pretensamente plausíveis – ainda que se trate de um fenômeno absolutamente extraordinário.
“Minha filha, como você canta bem. Mal espero para ouvir sua voz quando você ficar mais velha”. Esse diálogo, dito logo numa das primeiras cenas, não está isolado, e vem acompanhado de: “meu filho, você não tem idade suficiente para mergulhos mais fundos, só daqui uns anos”. O que fica evidente a partir desse ponto é o desconforto de Shyamalan em permitir que seja uma tarefa individual a resolução do mistério proposto: há pistas por todos os lados, são jogadas a esmo, e não dispostas de forma inteligente. A certeza de estar diante de algo original é sobreposta por uma viagem ególatra do responsável pela ideia – por mais que seja baseado na história de quadrinhos Castelo de Areia, de Frederick Peeters e Pierre-Oscar Lévy, há tantas alterações que permanece apenas a premissa inicial – chegando a ponto de se colocar em cena. Mas não em participações pontuais e discretas, como na maioria dos seus projetos anteriores: dessa vez, além de roteirista, produtor e diretor, se faz presente também como ator, em um personagem fundamental para o desenrolar dos acontecimentos.
Estes seriam pormenores, deslizes permitidos aos que alcançam níveis superiores, se o conjunto fosse, de fato, digno de atenção. O que não chega a ser o caso, e não pelo argumento proposto ou por questões técnicas, como atuações ou elementos como fotografia ou trilha sonora, na maioria empregados com moderação, servindo para a fluência dos eventos. Shyamalan se mostra tão comprometido na execução de algo épico, que tropeça na arrogância dos que se julgam acima de qualquer falha. Veja como exemplo o elenco reunido: de Gael Garcia Bernal (mexicano) à Vicky Krieps (luxemburguesa), de Rufus Sewell (inglês) à Thomasin McKensie (neozelandesa), de Alex Wolff (norte-americano) à Nikki Amuka-Bird (nigeriana), do oriental Ken Leung ao negro Aaron Pierre, é quase como um encontro das Nações Unidas. Seria, portanto, sua versão da Arca de Noé? São figuras que, no entanto, mais reagem aos acontecimentos do que se veem diante da obrigatoriedade de provocá-los, servindo como pretextos para o inexplicável, independente do grau de comprometimento com o roteiro.
A partir do momento em que dispõe de suas peças nesse tabuleiro, Shyamalan até perde um instante ou dois brincando com as consequências do conjunto, mas assim como o tipo misterioso que observa à distância, também tem pressa em revelar detalhes que melhor destino teriam uma vez mantidos em segredo. Pois, dessa forma, a trama seria construída em parceria com a audiência, aumentado o grau de identificação e partir de uma vivência compartilhada. É nesse ponto que sua falta de confiança se manifesta em maior força, oferecendo não apenas justificativas implausíveis, como apontando vilões quando não havia necessidade deles. Por fim, o que se vê é um exercício masturbatório de autopromoção que beira a ingenuidade, tão evidentes que ficam suas intenções. É como se Hitchcock tivesse se preocupado em dizer por quê os pássaros atacam, qual o motivo daquelas pessoas estarem ali reunidas, quem controla as aves e o que cada uma das vítimas fez para merecer o imponderável, incluindo ainda um passo a passo para resolver a questão. Quando, na verdade, todo mundo sabe que seu grande mérito é justamente saber que cabe ao espectador ir atrás dessas respostas. Uma perspicácia que aqui inexiste.
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