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Crítica


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Sinopse

No futuro, a Coreia do Sul enfrenta uma grave crise financeira que deixa a maioria da população na miséria. Quatro amigos planejam roubar uma casa de apostas e depois viverem tranquilamente numa ilha vizinha. Embora os planos deem certo a princípio, eles não esperam que um atirador de elite, associado aos donos do estabelecimento, passe a persegui-los, e não descanse até matar um por um.

Crítica

Tempo de Caça (2020) foi concebido para ser não apenas um grande filme de ação e espionagem, mas também o início de uma franquia popular. O diretor Yoon Sung-Hyun dispõe de uma produção impressionante, com muitas dezenas de cenários, centenas de figurantes, efeitos visuais a gosto, dublês, sequências de tiros, explosões, perseguições e assaltos. Cada cena traz uma iluminação neon distinta (em vermelho, laranja, rosa), enquanto a câmera se permite efetuar longos planos-sequência em corredores vazios, antes de fornecer imagens anguladas, cenas de ponta-cabeça e outras estripulias. O jovem cineasta demonstra um vigor impressionante para brincar com as armas à disposição. O filme se aproxima do jogo de faz de conta de algum garoto rico e cheio de imaginação, no qual os bonecos-personagens se deslocam para onde quiserem, e onde mandarem os conflitos. Não há preocupações familiares, de trabalho, de vida em sociedade. O roteiro dispensa esses elementos distrativos para se focar na única coisa que lhe interessa de fato: a perseguição de um atirador profissional a quatro jovens ladrões amadores.

O início surpreende: seria mais fácil introduzir os protagonistas diretamente no plano de roubo e partir para as passagens obrigatórias da ação. No entanto, o filme leva mais de trinta minutos para apresentar os personagens e o contexto. A trama se situa num futuro próximo, numa Coreia do Sul pós-apocalíptica afundada em dívidas com o FMI, enquanto a maioria de seus habitantes vive na miséria. As ruas estão vazias, saqueadas e quebradas. Exceto por algumas pequenas reuniões de grevistas protestando contra o governo – e sendo severamente reprimidas pelos policiais – o resto da metrópole se assemelha a uma cidade fantasma. Este contexto serve para explicar não apenas a sensação de abandono da população (“Nós não temos nada a perder”, lembra um personagem), mas também a decisão do quarteto principal em roubar um cassino ilegal. O cineasta faz questão de frisar que Jun-seok (Lee Je-hoon) e seus colegas roubam porque precisam de dinheiro, e porque, como não têm direitos, também não deveriam ter deveres. Os crimes cometidos pelos colegas não são vistos como frutos de mau caráter, e sim um ato de insurgência e rebeldia.

Exceto pela dinâmica social particular, o restante segue à risca os clichês esperados do filme de roubo, dos filmes sobre assassinos de aluguel e das distopias de ficção científica. Jun-seok acaba de sair da prisão, mas já planeja um grande roubo, que será o último, antes de se aposentar numa ilha paradisíaca, como em praticamente todas as narrativas munidas desta temática. Os ladrões tratam um ao outro como sua “verdadeira família”, o que justificará atos de martírio e heroísmo mais tarde. Um único homem caminhando lentamente com uma arma é capaz de alcançar jovens que correm rapidamente. Na hora de pegar um carro para fugirem ao perigo, os quatro colegas se deparam com o veículo que não funciona – não uma nem duas, mas três vezes. Na hora do tiro certeiro, o atirador descobre que não tem mais balas. Quando pode eliminar o inimigo de vez, o protagonista perde tempo efetuando um longo discurso moralista, apenas para ser surpreendido por um terceiro que chega atrás dele e impede a matança. Os clichês se sucedem descaradamente, tendo seu ápice na brecha aberta para um segundo filme. Yoon Sung-Hyun e os produtores confiam tanto no potencial deste projeto que preferem não resolver elementos básicos para facilitar a continuação. A estrutura se assemelha mais a uma série ou minissérie do que à estrutura clássica do longa-metragem de ficção.

A entrada do atirador Han (Park Hae-Soo) deveria permitir à história atingir seu pico de ritmo e tensão, mas ironicamente Tempo de Caça perde força quando os dois lados se enfrentam. Neste momento, o cenário pós-apocalíptico é praticamente abandonado (a direção de arte se limita a multiplicar galpões e prédios vazios) enquanto os personagens adotam atitudes incompreensíveis: Han tem a possibilidade de eliminar seus adversários, mas prefere deixá-los partir apenas pelo prazer de caçá-los outra vez. A solução soa inverossímil, como um recurso forçado para esticar o jogo de gato e rato um pouco mais. Um dos ladrões é esquecido pela narrativa, sem que sua conclusão pessoal exerça qualquer influência na cena. No meio de uma perseguição, o rapaz órfão pergunta ao amigo: “Como é ter pais? Eu sempre fui sozinho”, nem apelo fácil à sentimentalidade. Em outras palavras, o filme cria um cenário sociopolítico interessante a princípio, apenas para abandoná-lo quando não lhe convém mais, limitando-se aos tiros e corridas protocolares. Quanto mais a narrativa investe nos embates truculentos, menos sentido ela passa a ter – o diretor sacrifica a lógica interna por um registro de sensações imediatas.

Pelo menos, Yoon Sung-Hyun tem coragem de esticar o tempo em algumas cenas que, nas mãos de Hollywood, seriam picotadas e aceleradas. A longa sequência no estacionamento do prédio prolonga a tensão ao máximo, abusando das distâncias e dos deslocamentos para sugerir perigo. A fuga do cassino, após o roubo, também demonstra notável cuidado de ritmo. De modo geral, o diretor se revela um bom construtor de ambientações, investindo nas cores, na trilha sonora invasiva, nos efeitos de batimentos cardíacos para reforçar o suspense. Talvez estes não sejam os recursos mais sutis, nem os mais inventivos, porém funcionam dentro da lógica proposta. Caso se ativesse à crônica política dos miseráveis combatendo o sistema, poderia estabelecer uma conexão ainda mais complexa com os nossos tempos. Entretanto, prefere se converter num thriller de ação competente, porém genérico, através de personagens movidos pelo mero instinto de sobrevivência: eles precisam correr, atirar e se esconder. Ganha quem sobreviver por último. Este não é o programa mais substancial para um projeto que dispunha de tantos recursos – e, portanto, de inúmeras possibilidades discursivas e estéticas –, no entanto, cumpre o modesto propósito de entretenimento escapista.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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