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Sinopse
Em Tempo de Guerra, um grupo de soldados - entre eles Ray Mendoza - enfrenta dilemas morais e perigos extremos durante uma missão no Iraque. Entre batalhas e perdas, eles descobrem que a verdadeira luta é por humanidade em meio ao caos. Guerra.
Crítica
As guerras são matérias-primas infinitas para o cinema. Qualquer batalha tem inesgotáveis possibilidades, de pontos de vista e abordagens a discursos norteadores. Se nos anos 1940/50/ 60 Hollywood explorou incontáveis histórias da Segunda Guerra Mundial, nas décadas de 1970/80/90 a Guerra do Vietnã foi frequente nas telonas. Dos anos 1990 para cá, com os Estados Unidos metidos em vários outros conflitos internacionais, tivemos muitos filmes sobre a Guerra do Golfo e, ainda mais recentemente, acerca da Guerra do Iraque. Excetuando a Segunda Guerra Mundial, todas as demais dizem respeito à presença dos EUA em nações estrangeiras para supostamente garantir a soberania das democracias – na verdade, os motivos norte-americanos são muito menos nobres que isso. Tempo de Guerra reconstitui um dos episódios sangrentos e dramáticos da permanência norte-americana no Iraque, a chamada batalha de Ramadi, quando uma tropa foi encurralada num posto estratégico tomado à força para manter a posição de sniper do exército invasor. Os ianques entraram na casa de duas famílias iraquianas e não quiseram saber dos protestos de homens, mulheres e crianças que estavam dormindo, apenas “cumprindo ordens” e se apossando do imóvel que poderia fornecer uma posição fundamental à patrulha daquele lugar. Porém, os diretores Ray Mendoza e Alex Garland não enfatizam essa escrotidão.
Ray Mendoza é um dos ex-fuzileiros da batalha de Ramadi – ele foi condecorado por bravura nesse episódio fatídico. Portanto, Ray está contando a disputa verídica a partir da perspectiva de quem viu efetivamente amigos sendo trucidados e mortos pelo inimigo. Assim, Tempo de Guerra é resultado de um ufanismo patriótico e sentimentalista, um filme acrítico à presença dos Estados Unidos no território estrangeiro. Longe de ser uma obra que pondera as complexidades psicológicas e geopolíticas envolvidas naquilo. Trata-se de uma homenagem do sobrevivente à coragem dos amigos, ainda que o filme não consiga encenar a incessante troca de tiros sem praticamente anular a dimensão humana desses soldados. A linguagem utilizada é crua, cheia de câmeras na mão, mas também lotada de tempos mortos em que pouca coisa acontece (a não ser a expectativa de um pouco de ação). Aliás, o filme é dividido em dois momentos diferentes. No primeiro deles há a espera, as estratégias militares, as regras ditadas pelo rádio, em suma, a complementariedade da equipe formada por soldados sem características que os distingam tanto. Ray Mendoza e Alex Garland não conseguem imprimir tensão a essa espera, por mais que tentem convencer o espectador de que o mundo fora dessa casa sequestrada é perigoso e desconhecido. Simplesmente, a pequena rotina não funciona bem como antecipação da ação.
Se é para elevar o sarrafo, como dizemos no jargão, Ray Mendoza e Alex Garland poderiam ter assistido a uma obra-prima da expectativa para se inspirar: Onde Começa o Inferno (1959). No faroeste de Howard Hawks, três homens são obrigados a esperar pacientemente a chegada de bandidos que podem determinar a morte deles. Tempo de Guerra não consegue criar um suspense suficientemente forte para essa primeira parte ser interessante e nem aproveita a aparente calmaria para realizar um diagnóstico do batalhão. Geralmente, num filme de guerra focado em ações grupais sobressai a ênfase nas personalidades de cada membro, inclusive em prol do drama no momento em que o conflito se torna inevitável. No entanto, a dupla de diretores se contenta com poucas migalhas desses jovens que realmente não sabem onde se meteram. E, quando o contra-ataque chega com força, na segunda metade da trama, os dois se satisfazem apenas com elogios à bravura desses rapazes que lidam de maneira estoica com a morte iminente. Não há qualquer traço de crítica, sequer de um discurso um pouco mais enfático sobre a natureza nociva do próprio conceito da guerra. Apenas uma narrativa em que somos obrigados a testemunhar a sobrevivência dos heróis e nada mais. É como se fosse um videogame do qual não temos controle, mas cujo objetivo é salvar a maior quantidade de norte-americanos.
Outro filme que poderia ter feito bem a Ray Mendoza e Alex Garland como fonte de inspiração é Guerra Sem Cortes (2007), de Brian De Palma. Tempo de Guerra até tem paralelos estéticos com a realização de De Palma, sobretudo as imagens produzidas por equipamentos de guerra. No entanto, enquanto a abordagem do veterano está repleta de opiniões a respeito da guerra, sendo crítica à atitude norte-americana em países estrangeiros, a de Mendoza e Garland anula qualquer ponto de vista mais político em prol de uma ação mal formulada e cansativa. O único elemento que se destaca positivamente nessa patacoada patriótica é o desenho de som, cuja supervisão é assinada por Ben Barker. Enquanto cria imagens um tanto estéreis do conflito, chegando a espetacularizar membros decepados e feridas mortais, a dupla de cineastas se sai muito melhor em termos sonoros. Sem a utilização de trilha incidental, eles apostam numa boa teia de sonoridades que contribui de modo determinante para os melhores momentos do filme. Por exemplo, quando dois homens são trazidos de volta ao interior da casa com suas pernas praticamente dilaceradas. Seus gritos são misturados às palavras de ordem, aos barulhos dos ataques, às falas sussurradas de quem está apavorado e às ordens do rádio, assim criando uma cacofonia muito mais enervante do que qualquer outra coisa. Pena que essa excelência falte no desenho da atmosfera de tensão, nos efeitos da guerra e no discurso desse filme chapa-branca.
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