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Sinopse
Em Temporada de Traição dois casais parecem ter a vida conjugal perfeita, até que rachaduras começam a enfraquecer a união de ambos. Enquanto isso, um grande questionamento é levantado: eles realmente se conhecem? Os conceitos de amor, luxúria e família são desafiados. Drama.
Crítica
Jim (Cillian Murphy) faz parte de uma família plenamente estruturada. Profissional empregado que trabalha em regime de teletrabalho, ele é casado com Danielle (Eva Birthistle) e pai de duas crianças. Jim mal conhece Yvonne (Catherine Walker), a amiga de sua esposa que vem passando por problemas no casamento – especificamente, ela sofre com os rompantes de agressividade do marido, Chris (Andrew Scott), que chega às vias de fato. Então, há dois casais de classe média com situações matrimoniais aparentemente distintas. No entanto, tudo se complica quando Jim e Yvonne se envolvem sexualmente e, mais tarde, amorosamente. O cineasta Mark O'Rowe traz certa dose de banalidade para esse momento de transgressão, uma vez que não valoriza a excitação tomando conta dos personagens até eles cruzarem um limiar não indicado pelo bom senso. Nessa cena fundamental à Temporada de Traição, percebemos que há um problema de direção, que a condução do filme não é capaz de elaborar de maneira dramaticamente intensa tudo o que está acontecendo. Jim e Yvonne começam a se ver clandestinamente, mais apegados um ao outo na medida em que o adultério se transforma numa espécie de porto seguro. Uma pena que o roteiro também assinado por O'Rowe não vá muito além de estabelecer e elaborar relações frágeis de causa e consequência, de ações imprudentes que se transformam em culpa.
Há sempre a sombra incômoda do puritanismo e do julgamento pairando sobre os personagens de Temporada de Traição. O fato de Jim e Yvonne começarem um caso extraconjugal é enfatizado pelo aspecto da possível destruição das famílias. Mark O'Rowe não está interessado nos anseios, desejos e nas possíveis contradições desse homem e dessa mulher que decidem correr riscos para viver um relacionamento capaz de os fazer sentir vivos novamente. Não. O filme constantemente coloca sobre esse amor um verniz de reprovação. A ele por enganar uma esposa devotada que não fez qualquer coisa que “justifique” a infidelidade. A ela por ludibriar o marido portador de uma doença terminal (que fique claro: Yvonne não sabe da condição, mas Jim sim). É perfeitamente natural os protagonistas sentirem culpa, ocasionalmente se martirizarem por algo que tem um enorme potencial de respingar em seus filhos. No entanto, o filme sublinha algo que poderia ser um pouco mais implícito e, sobretudo, relativizado: o amor entre Jim e Yvonne é errado e não deve ser visto a partir de outra perspectiva. Mesmo dentro dessa leitura havia margem generosa para, por exemplo, discutir de maneira mais adulta a eventual falta de responsabilidade emocional de pessoas que prematuramente aceitam jogar suas vidas para o alto sem ao menos verbalizar uma preocupação com seus filhos. Infelizmente isso não acontece.
Desse modo, o grande problema de Temporada de Traição é justamente o espaço enorme que o roteiro e a direção atribuem aos julgamentos morais, aos embates éticos sobre certos e errados que tornam a história refém do “ou isso ou aquilo” binário e reducionista. Ao desenvolver o romance extraconjugal, Mark O'Rowe não destrincha a personalidade de Jim e tampouco oferece a Yvonne um espaço semelhante para enxergarmos dos que eles são feitos. Quando certo personagem toma uma atitude, somos obrigados a nos conectar estritamente ao ato, pois não temos acesso às motivações, à sua intimidade, àquilo que torna sintomática essa atitude. Por exemplo, o que leva Yvonne a declarar amor e reivindicar uma oficialização para deixar de sofrer? O que leva Jim a ser impulsivo e perder qualquer protocolo de prudência, mesmo diante de decisões que afetam muito mais do que simplesmente ele e seu novo amor? Então, como o roteiro não nos fornece esse acesso à intimidade dos personagens, acaba nos privando da possibilidade de ler as suas ações e reações de maneira menos superficial. O que poderia ser um instigante thriller dramático envolvendo as complexidades inerentes à infidelidade surgindo num contexto de violência doméstica, comodismo e doença terminal acaba restrito a uma série de sentenças morais sobre as decisões das pessoas. Se A fez isso, logo ela é irresponsável e ponto.
Temporada de Traição conta com ao menos duas interpretações muito boas. Contornando a fragilidade conceitual de personagens (que tem poucas facetas), Cillian Murphy se sai bem como o homem arrastado por um novo amor às raias da inconsequência – especialmente nas cenas em que parece perder as estribeiras. Já Catherine Walker consegue colocar ocasionalmente em segundo plano as simplistas relações de causa e consequência. A atriz compõe, primeiro, uma mulher solitária que não hesita em seduzir o marido da amiga em busca de um pouco de carinho e tesão; e, segundo, aquela que coloca um ponto e vírgula no relacionamento extraconjugal tendo em vista a sua responsabilidade com o marido infelizmente nas últimas. Uma pena o filme ser repleto de armadilhas morais enquadrando os personagens, como o dilema imposto a Jim: contar ou não para seu novo amor que o marido dela tem uma doença terminal, sobretudo depois de prometer ao homem que não faria isso? O que vemos não são pessoas com camadas, contradições e ambiguidades, mas modelos validados (ou não) pelas decisões tomadas diante de impasses cujos resultados sentenciam caráteres. Os homens e mulheres poderiam viver as mesmíssimas coisas, ter atitudes semelhantes, travar embates parecidos consigo mesmos, mas, se fossem investigados de maneira menos moralista e mais humana, o resultado não seria tão esquemático. Felizmente, a qualidade do elenco compensa, em parte, esse conceito superficial.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Robledo Milani | 6 |
MÉDIA | 5.5 |
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