Crítica


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Sinopse

Arturo implementa em sua empresa um algoritmo que ajudará os funcionários a trabalharem menos e melhor. Porém, esse mesmo algoritmo considera o trabalho de Arturo supérfluo e é determinante para sua demissão.

Crítica

Conhecido apenas por Pif, o ator e diretor Pierfrancesco Diliberto foi apontado como grande revelação do cinema italiano com seu longa de estreia como realizador, A Máfia Só Mata no Verão (2013), que lhe rendeu troféus importantes, como Melhor Diretor Estreante no David di Donatello (a maior premiação do país), Melhor Comédia no European Film Awards e Melhor Filme pelo Júri Popular no Festival de Torino. É compreensível que tamanha repercussão tenha gerado enorme expectativa a respeito de um nome tão diminuto, que atende por apenas três letras. Essa inversão, ao optar pelo apelido, em sua própria apresentação, se refletiu também em seus trabalhos seguintes. Após um documentário e uma série para televisão – além de mais uma obra de ficção, Em Guerra por Amor (2016) – o cineasta deixa de lado a posição de protagonista para se concentrar no discurso de Tempos Super Modernos, seu trabalho mais recente. O que se vê em cena reforça o acerto em apostar numa comédia leve, porém de profundas repercussões.

Arturo (Fabio De Luigi, delicado em uma composição que reflete através do mínimo o absurdo de cada nova situação a qual se vê diante, num misto entre Chaplin e Tati com um toque de patético apropriado à contemporaneidade) desenvolveu um software para a sua empresa, uma revolução que prometia eliminar custos em uma gestão mais límpida e eficiente. O resultado imediato, no entanto, foi a percepção de que ele mesmo era supérfluo, e por isso, passível de demissão. Uma vez sem emprego, seguiu apostando em todos os ted talks, seminários, gurus e coachs que por anos povoaram suas referências para tentar se recolocar no mercado. Nenhuma dessas fontes, porém, o alertou para algo básico: formulários e pedidos de admissão geralmente reduzem suas opções aos menores de 40 anos. Ele, já com quase 50, se vê, portanto, sem saída. Ao menos até uma oferta revolucionária surgir no seu horizonte.

O que instiga o personagem é também o que irá despertar a curiosidade da audiência. Percebe-se, pelas caracterizações de cenários e procedimentos, que Pif decidiu por ambientar sua história no futuro, mas não num tempo distante. É tudo tão próximo do que hoje se conhece, portanto, que por mais de uma vez tais limites entre o imaginado e o concreto irão se misturar, entre o possível e a fantasia a trama irá transcorrer. Arturo é levado por um ideal capitalista, a garantia de uma função que respeitaria sua individualidade, permitiria ganhos crescentes e, acima de tudo, privilegiaria sua liberdade. O quadro parece lindo, mas no dia seguinte é com uma bicicleta e uma mochila nas costas que ele irá se deparar. Ou seja, passará a atuar em um serviço de entregas rápidas. Após perder a noiva para um app de relacionamentos e se ver obrigado a sublocar o apartamento onde mora para conseguir pagar o aluguel, será a dignidade de alguém com sonhos e ambições que terá que abrir mão.

Esse processo de desconstrução é levado com um misto de espanto e resignação por De Luigi. Apontado com um dos comediantes de maior sucesso na Itália, estrelou nos últimos anos filmes como Guerra dos Sexos (2010), Onde Está a Vovó? (2018) e o fenômeno E agora? A mamãe saiu de férias! (2019). Só pelos títulos, se pode ter uma ideia do apelo popular que possui. Tempos Super Modernos, no entanto, segue um percurso contrário, sem discursos ou exageros, uma vez que calcado no inadmissível que se tornou real na sociedade de hoje. É sabido que, se a realidade se dá ao direito de desfechos alucinantes e improváveis, o registro ficcional se vê obrigado a trilhar pelo caminho do verossímil, buscando uma credibilidade que torne a factível a conexão com o espectador. Pif é tão ciente dessa necessidade que economiza nos diálogos e nos exemplos, relegando às palavras uma postura coadjuvante dentro de um cenário no qual as imagens e as situações que originam se encarregam da mensagem a ser repercutida – e a reflexão que a partir delas se mostra urgente.

A entrada em cena de Pif – como o professor que passará a morar com o protagonista e faz bicos trabalhando como hater na internet – serve apenas para reforçar impressões já previstas. Da mesma forma, o surgimento de uma paixão virtual e a luta para torná-la concreta pouco acrescenta ao debate além do visto em títulos como Ela (2013), de Spike Jonze. Mas não são esses desenlaces, como a história de amor convencional, a moça em perigo que precisa ser resgatada, ou mesmo os imbróglios profissionais que levam apenas a becos sem saída, que fazem de Tempos Super Modernos uma narrativa a ser acompanhada com atenção e cuidado. Está, sim, no desespero silencioso que carrega ao longo de sua jornada, e na falta de perspectivas que anuncia em sua conclusão, a coragem e a força imperativa que, talvez, possa vir a fazer diferença. É o cinema como comentarista do seu tempo, não apenas observador, mas apto a provocar a transformação da qual tanto se anseia.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
8
Leonardo Ribeiro
7
MÉDIA
7.5

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