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Crítica


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Sinopse

Geórgia e Bruno formam um jovem casal atravessando uma crise financeira quando ela perde o emprego. Bruno concorda em emprestar seus equipamentos cinematográficos para um homem misterioso. No entanto, a aposta trará riscos que precisarão ser resolvidos durante uma partida de tênis.

Crítica

Atenção: o texto abaixo pode conter spoilers sobre o filme.

Bruno (Bruno de Oliveira) é um cinéfilo inveterado que não assiste a filme nenhum. Ele acaba de ser promovido na produtora onde trabalha em virtude do excelente trabalho, ainda que nunca o vejamos trabalhando. O rapaz vai chefiar uma equipe, embora jamais o presenciemos em qualquer situação de gestão. Acostumado a lidar com equipamentos cinematográficos caros, ele aceita emprestá-los sem qualquer garantia a um sujeito obscuro que produz filmes pornográficos satanistas – porém nunca percebemos qualquer indício da produção pornográfica. O protagonista está casado com Geórgia (Geórgia Barcellos), uma grande cozinheira que nunca cozinha. Ele fica muito feliz pela seleção em um festival de cinema que jamais acontece. Já ela decide mudar de ocupação profissional sem que o espectador saiba ao certo quando, ou como esta decisão acontece. Há certa dificuldade de adentrar o mundo de Ten-Love (2020), porque precisamos confiar nas promessas destes personagens sobre si mesmos. Talvez sejam, no fundo, espiões ou físicos nucleares, o que resultaria num efeito semelhante: não temos prova nem disso, nem do contrário. Nenhum deles possui família ou sonhos para o futuro. Estes personagens existem, acima de tudo, no mundo das ideias.

O encontro entre ambos ocorre num terreno propício ao sonho. Eles caminham em lados opostos da rua, em câmera lenta, contra a multidão, como o cinema independente tem explorado à exaustão, especialmente desde Closer: Perto Demais (2004). Há um close no rosto dele, e depois no rosto dela. A imagem se aproxima dos olhos dele, e depois dos olhos dela. O rapaz ganha a oportunidade de bancar o herói ao salvá-la magicamente de um roubo, oferecendo a si próprio como mártir. O gesto não trará qualquer efeito imediato à trama – nem positivo, nem negativo. Para um rapaz tão proativo, ele se torna apático nas cenas seguintes. Para alguém que acaba de ser assaltado com uma faca, Bruno não demonstra qualquer abalo emocional, nem uma preocupação com o celular roubado. A prova-de-amor-à-primeira-vista – um novo gesto no gênero – não surte qualquer efeito, visto que o filme opta pelo tom de expressividade reduzida. O elenco oferece um estilo indiferente de composição cênica. Caso este representasse apenas o trabalho de algum ator em particular, ele chamaria atenção a si próprio, no entanto, o registro blasé está equilibrado entre todos os intérpretes. As falas são apresentadas em entonação próxima à leitura branca do roteiro, enquanto as atividades de Bruno e Geórgia consistem em banalidades. Há poucas reviravoltas à vista.

Ten-Love promete na metade inicial seguir a cartilha do indie norte-americano, priorizando pessoas “perdedoras” tentando encontrar amor e sucesso profissional num mundo que não foi feito para elas. O uso de trilha sonora ambiente, a luz natural dentro de casa e as conversas posadas em plano e contraplano permitem a interpretação de um naturalismo quase forçado, rígido demais, tanto na elaboração das falas quanto na postura corporal – algo reforçado pelo fato que os amantes praticamente não demonstram carinho um pelo outro. A desafetação se torna uma finalidade em si mesma. Esta poderia ser uma linguagem coesa, caso a segunda metade não apostasse em rumos tão distintos. Primeiro, o encontro com o Joalheiro – figura mal construída dramaturgicamente – adentra o território clássico do cinema de gênero, beirando o terror. Neste momento, o diretor Bruno de Oliveira se aproxima do trash, porém o aceno ao horror desaparece logo em seguida. O acerto de contas com um vilão misterioso ocorrerá por meio de uma partida de tênis (o que justifica a contagem “dez-zero” do título) muito semelhante ao duelo ao pôr do sol dos faroestes clássicos. Por que o sujeito inescrupuloso aceitaria correr o risco de perder sua valiosa mercadoria? Solicita-se ao espectador que acate com mais uma incongruência.

Ao mesmo tempo, o trabalho estético e técnico apresenta tiques contraproducentes à narrativa. Os lentos zoom-ins no rosto dele e dela não surtem qualquer efeito na trama. Os trovões, as vozes em eco sugerem um terror profundo que jamais se concretiza na trama. O treinamento para a partida decisiva em formato Rocky, um Lutador (1976) tampouco possui uma consequência à altura durante o clímax. A montagem força paralelismos evidentes demais (ele tem uma reunião de trabalho decisiva; corta, ela tem uma reunião de trabalho decisiva), enquanto a captação de som sofre com graves problemas nas cenas internas, dentro do quarto (quando Geórgia se vira para observar uma raquete de tênis e observar um celular, por exemplo, ou na chegada de Bruno ao saguão da produtora). Há boas ideias, sem dúvida, como os passeios de carro pela cidade ou a montagem acelerada das duas partidas de tênis. No entanto, estas propostas se perdem entre excessivas câmeras lentas, uma reviravolta improvável envolvendo os equipamentos emprestados, e uma apatia generalizada dos personagens, o que atenua a tensão pretendida pelo encontro com o vilão.

No início, Ten-Love representa o exemplo perfeito da narrativa boy meets girl, com o encontro amoroso em moldes de golpe do destino. Aos poucos, a narrativa sai dos trilhos. A crise do casal, os problemas financeiros e o envolvimento com uma “máfia” seriam caminhos interessantes, porém Oliveira não se aprofunda em nenhum deles. Para um encontro perigoso e decisivo ao futuro do casal, não há construção eficaz de perigo. Para uma história de amor, há pouco afeto entre os amantes. Para uma comédia autodepreciativa em moldes Woody Allen, ao qual o cineasta acena durante a primeira metade, ressente-se de cenas que explorem as fraquezas dos personagens. Nem plenamente realista, nem assumidamente fantástico; nem propriamente romântico, muito menos investindo a fundo no thriller, o resultado transparece a indefinição de linguagem e objetivos. A conclusão resume tamanhas hesitações: seria um final feliz? Uma conclusão tragicômica? O futuro de qualquer um dos personagens envolvidos está em risco após a partida-duelo? O filme se encerra no clímax, como se não quisesse, ou não soubesse como, dar um prosseguimento às jornadas dos personagens. Bruno e Geórgia poderiam corresponder ao casal unido pelo suspense, ou então à dupla de apaixonados perseverantes, e mesmo aos jovens adultos hipsters e desinteressados dos tempos de hoje. Bastaria optar por um destes caminhos e explorar a fundo os códigos de cada linguagem.

Filme visto online no 48º Festival Internacional de Cinema de Gramado, em setembro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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