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Sinopse

Eles acabaram de se casar, mas um incidente trouxe outro significado para suas vidas.

Crítica

Nos 15 minutos de Teoria de um Planeta Estranho, temos um amor atravessado pela inevitabilidade que o abrevia. A moldura escolhida é um diálogo entre o fantástico e o experimental. O cineasta Marco Antônio Pereira mostra dois jovens planejando se casar. Moradores do interior, os personagens de Larissa Bocchino e Gerson Marques formam uma analogia atual do par original do antigo testamento da bíblia cristã. A Eva moderna é uma jovem surda e serelepe, dada a corridas inesperadas pelo campo embaladas pelo som estridente de suas risadas contagiantes. Quando precisa se apartar das pressões e expectativas, ela simplesmente escolhe se recolher ao silêncio, como vemos na ótima cena da sobreposição de opiniões familiares contrárias ao matrimônio. Já ele é o frentista do posto de gasolina local, sujeito atlético com pinta de Adão que aparentemente tem a mesma humildade cotidiana da futura esposa. Eles conversam sobre Deus, falam de coisas que soam imprescindíveis para aquele momento e fazem inúmeros planos a compartilhar.

O mais interessante de Teoria de um Planeta Estranho é a forma como o cineasta costura os reluzentes fragmentos de um discurso amoroso que, embora peculiar, também evoca certa universidade. Por um lado, homem e mulher são condicionados por particularidades, tanto as sociais quanto as físicas. Por outro, existe a evocação de um sentimento estupendo. Romanticamente responsável por gerar felicidade, o amor é aqui capaz de contradizer a divindade quando todas as promessas de felicidade eterna são abruptamente rompidas. Marco Antônio Pereira liga os vislumbres da vida a dois, avançando cronologicamente por meio do acúmulo de elipses que sugerem um destino. É como se fôssemos convidados a observar em retrospectiva esse envolvimento que passa pela igreja, como bem mandam as tradições. O clima poético é sublinhado pelos saltos que servem para ampliar a ideia da paixão como um antídoto para as dificuldades e os eventuais prognósticos negativos. Pouco sabemos do homem e da mulher, sobretudo porque a ideia não é bem investigar personagens.

Teoria de um Planeta Estranho é parcialmente bem-sucedido nessa operação lírica de conjurar um elo transcendente. Fica implícita a frase "até que a morte nos separe", tão presente na liturgia cristã. Ela serve de prenúncio da tragédia que se abate sobre os pombinhos. Marco Antônio Pereira privilegia a personagem de Larissa Bocchino, talvez em virtude da beleza de sua forma de compensar a deficiência com um deslumbre diante da realidade remodelada. Ela tocando guitarra sozinha no descampado adquire outro significado tão logo ele chegue trazendo o aparelho da surdez. O gesto afetuoso de carinho devolve a capacidade de entender os sons. Com isso, a ação carrega um resultado completo e complexo. No entanto, falta algo para ampliar as ressonâncias da narrativa que privilegia certa sensorialidade e brinca com possibilidades visuais e repetições. Dada a relevância do diálogo literal (ou seria um devaneio?) com Deus, falta a pontuação do que estimule qualquer reflexão mais densa. O recorte é restrito, assim limita a compreensão aos aspectos do encanto.

Marco Antônio Pereira faz da conversa com Deus um momento curioso. Antes de qualquer coisa, ele subverte a representação ao Todo-Poderoso como sujeito velho de pomposa barba branca. Sua versão é um sujeito baixinho, cuja voz quase trovejante gera propositalmente um ruído. Ao redor do homem que se duplica por força de trucagens, há quinquilharias que carregam a intensidade dos valores sentimentais. Os conceitos de Teoria de um Planeta Estranho são instigantes, mas a execução deixa um pouco a desejar, sobretudo quanto à obtenção de certos efeitos (como o lírico) por meio da variação da textura da imagem. O cineasta investe no desenho do amor primordial, idealizado como na cena dos amantes se entregando ao prazer da chuva quase infantilmente. Porém, a parábola repleta de afetividade, situada numa atualidade reverente ao passado – vide o carro dos protagonistas, o estilo de vida sem traquitanas digitais, o sossego do interior – apenas sugere as reflexões sobre eternidades, efemeridades ou acerca dos desígnios do Deus manipulador, porém piedoso.

 

Filme visto online no VI Cine Jardim, em agosto de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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