Crítica
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Crítica
Shakib tem um problema. Aliás, tem vários. Mais um dentre tantos que, pelas guerras impostas pelos tais “líderes do mundo”, se viu de uma hora para outra sem nada daquilo que levou uma vida inteira para construir e, portanto, agora segue apenas pela força de ir adiante, buscando a cada novo amanhecer o ânimo necessário para mais um passo, mais um dia de trabalho, mais um esforço para conseguir o mínimo – um lugar para dormir, a próxima refeição, calor e proteção suficiente para não se ver abatido pelo frio constante que aflige quem está lá fora. No entanto, será pelas circunstâncias às quais se verá submetido por causa dessa luta diária que, quase que de modo alheio a sua vontade, acabará no centro de um conflito maior do que jamais imaginou. Um que vive e morre tanto na realidade, quanto na fantasia. Em Terceira Guerra Mundial, os mandos e desmandos de um déspota capaz de eliminar milhares de pessoas terão repercussão direta na existência de um homem que queria, apenas, sobreviver. É o herói solitário e involuntário, representante de uma legião de pessoas que, assim como ele, são mais massa de manobra do que donos do próprio destino.
No filme escrito e dirigido por Houman Seyyedi (Sizdah, 2014), o protagonista é Shakib (Mohsen Tanabandeh, de Um Herói, 2021), um homem sem lugar no mundo. Errante, mora de favor nos fundos da oficina de um conhecido, lugar onde também trabalha, entre os tantos bicos que vai arrumando pela cidade que não lhe pertence. A vida pela qual tanto lutou fora destruída, e dela nada mais resta, a não ser as lembranças: da esposa, dos filhos, da profissão que lhe dava orgulho. Hoje, porém, aceita o que lhe é oferecido. E uma das oportunidades que lhe é apresentada é das mais inusitadas possível: atuar como extra em um longa-metragem. Sua função é apenas aparecer em cena, compondo o cenário. É uma porta, também, que se abre, e vai lhe possibilitando acesso a outras: logo consegue uma posição na equipe de montagem dos sets, uma vaga de segurança noturno se apresenta, e quando percebe até lugar para dormir terá garantido. Mas assim como qualquer outro, ele quer mais. E o próximo passo será ter por perto quem de fato gosta. O que não será nada simples.
A única pessoa com quem Shakib conseguiu estabelecer algum elo de ligação – não seria nem de confiança, pois talvez isso fosse demais, mas de supressão da carência, alguém com quem se abrir, mesmo que por poucos instantes e pagando o preço por isso, literalmente – é Zareh (Neda Jebraeili, premiada como melhor atriz no Festival de Teerã pelo seu desempenho no curta In Between, 2018), a prostituta imigrante que vê nessa relação improvisada uma oportunidade de mudança. Em um minuto, o que se vê é o que está na tela do celular, uma realidade de ostentação e abundância, com tecidos finos e jantares elegantes. Porém, assim como tudo ao seu redor, não passa de fantasia, é falso e imaginário, pronto para ser usado nas filmagens, mas descartado logo em seguida. Para ela, no entanto, não há como perceber a diferença entre a mentira e a esperança. E uma vez que se coloca sob a guarda dele, da mesma forma estará em rota de fuga: do cafetão que a ameaça, de uma vida de misérias, de ser usada por homens dos quais nem o nome sabe ao certo.
Os dois são figuras perdidas em um contexto que não está preparado para acolhê-los. Shakib recebeu mais responsabilidades do que talvez estivesse preparado para lidar, e da mesma maneira como imagina ter conquistado aquilo com o qual sempre sonhou para si, sabe o quanto esse mesmo é passageiro, não apenas por ter perdido antes, mas por reconhecer que é só imagem, por trás não há nada que sustente aquela aparência. Porém, Seyyedi destaca que o principal é o estudo destes personagens, mais até o crescente caótico que a realidade ao redor deles vai se tornando, não só como paralelo da própria atividade cinematográfica, como também como comentário sobre a bestialidade da guerra e como pode ser fácil reis se transformarem em pedintes, e vice-versa. Numa das mais inteligentes jogadas do roteiro, esse ser infeliz que a si mesmo não reconhece importância, em questão de segundos se vê sentado no posto mais cobiçado da trama: um acidente, uma semelhança física, um pouco de maquiagem e pronto, eis um novo Adolf Hitler pronto para entrar em cena. E o melhor: sem que seja necessário que uma só palavra seja dita. O que basta é apenas o que está na superfície, o retrato que irá para a película, independente dele ter conteúdo ou não.
Essa dança de cadeiras pode ser não mais do que questão de ocasião, mas é reflexo também de uma alteração no paradigma, do refugiado em busca de abrigo, do ajudante mão-de-obra descartável que se vê alçado a uma condição imprescindível, daquele que precisa ser socorrido para o que pode estender a mão a quem dela precisa, mesmo que tudo não passe de ilusão. Durante décadas o mundo viveu na eminência de um novo conflito global durante a Guerra Fria. Pois Terceira Guerra Mundial mostra o quão próximo qualquer um, do indivíduo às nações, pode estar de uma mudança drástica assim, capaz de apagar passados e reescrever possibilidades de futuro. Algo que se torna viável no âmbito da ficção graças a um ator ciente do que tem sobre os ombros e seguro em como alcançar o que dele se espera, seja pelos gestos mais pequenos como pelas manifestações exaltadas. E, claro, também por estar na condução dessa história, singela, ainda que pertinente, um realizador que não apenas tem claro onde ir, mas, principalmente, como lidar com os elementos ao seu alcance e fazer desses propulsão para seguir em diante. Revolucionário, ainda que essa seja uma verdade discreta, quase imperceptível, construída com o tempo e a ressonância de sua narrativa naqueles que dela se permitirem desfrutar.
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