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Sinopse

Depois de muito tempo, Catarina reencontra Francisco, com quem se relacionava anos atrás, até o desaparecimento dele sem explicações. Ela o convida para uma festa de despedida em sua casa, pois pretende deixar a cidade de São Luís, no Maranhão. Acordando de ressaca no dia seguinte, Catarina precisa enfrentar o destino que a aguarda.

Crítica

Terminal Praia Grande (2019) é regido por uma dinâmica assumidamente artificial. A longa dança de Catarina (Áurea Maranhão) diante do celular, seduzindo o interlocutor, soa como uma traquinagem, visto que não conhecemos a personalidade da protagonista. A longa caminhada da mulher pelas ruas de São Luís, com seu vestido branco, também provoca estranhamento. A ressaca da personagem é elevada à enésima potência, resultando num corpo desconstruído e performático, mais próximo da dança do que do caminhar naturalista. Pelo caminho, ela encontra pessoas que se movem de maneira robótica, ou têm as costas estranhamente curvadas para trás. Quando cruza o caminho de Francisco (Rafael Lozano), com quem se relacionou no passado, ambos se encontram em terços exatos do enquadramento, simétricos, e viram-se ao mesmo tempo um para o outro, conversando através de uma fala de aparência dublada. Mais tarde, a jovem volta para a sua casa, onde toma banho dentro de um banheiro tomado por plantas, e se depara com caranguejos andando sobre os restos da festa. Praticamente qualquer elemento passível de configurar um afastamento do real é empregado pela diretora Mavi Simão.

Estas escolhas seriam justificáveis pela incursão no cinema fantástico. No entanto, o projeto ressente-se de elementos fundamentais para atribuir valor à overdose de símbolos, tiques e cacoetes da trama. Primeiro, jamais conhecemos Catarina. A mulher se move de um cômodo a outro, perambula pela cidade a esmo, troca mensagens de celular com uma pessoa anônima. Exceto pela figura ensanguentada da abertura, o primeiro rosto humano, além de seu próprio, é visto aos 23 minutos de trama, e Francisco, fundamental para fazer a narrativa caminhar, surge aos 40 minutos. Antes disso, presenciamos a figura fantasmática se deslocando sem se desenvolver. Ora, os objetos da casa e as relações durante a festa poderiam construir a contento a personalidade da protagonista. Mesmo em silêncio, o espectador poderia descobrir em que ela trabalha, como sustenta um modo de vida tão luxuoso, qual é a natureza exata do relacionamento com Francisco, de que maneira se apropria do espaço urbano e como manifesta sua bissexualidade. A decisão de abandonar São Luís é meramente sugerida. Sem a mínima construção psicológica ou contextual, Catarina se limita a um corpo em deambulação. Talvez a dança na festa seja importante para ela. Talvez ela seja carente, ou talvez nunca se importasse de fato com o ex-namorado. No entanto, especulações seriam estéreis, visto que não encontram respaldo na trama.

Em relação à experiência de gênero, a narrativa incorpora pequenos acenos ao imaginário coletivo do cinema fantástico. Há flashes de mulheres mortas, corvos atropelados, pessoas monstruosas nas ruas e um motorista assustador. No entanto, estes elementos jamais se conectam propriamente com a narrativa antes da revelação final, um tanto abrupta e previsível. As breves incursões na fantasia se assemelham a um pesadelo ou um devaneio da personagem. “Tem uma força me puxando para algum lugar, mas eu não sei onde é a porra desse lugar”, afirma Catarina num dos raríssimos diálogos do filme. A frase consegue ser ao mesmo tempo explicativa e vaga, no sentido de sugerir um elemento transcendental que jamais se concretiza de fato. Os flashes de terror nos preparam para a surpresa da conclusão, em termos de tom e atmosfera, no entanto, não conduzem a personagem até aquele ponto. De certo modo, os caranguejos e as pessoas de olhos escuros soam como intromissões da montagem numa narrativa que não se apropria dessa linguagem, não contamina o real com o sobrenatural. O elemento fantástico soa tão acessório e decorativo quanto a mesa inteiramente branca, filmada em plongée, ou as dezenas de garrafas de álcool cuidadosamente posicionadas ao lado da piscina, numa caracterização tão exagerada que beira o cômico.

Sem construção de conflitos, nem aprofundamento da linguagem de horror, sobrem inúmeras sequências contemplativas, satisfeitas demais com a não-obrigação de produzirem significado. A longa cena de Catarina tirando os vasos de um aparador, a repetição das danças gravadas no celular ou o retorno à sequência da festa e da piscina soam como atalhos para esticar uma trama bastante magra até a duração mínima à classificação de longa-metragem. Caso esses retornos fossem ressignificados, trazendo novos pontos de vista e novas informações, funcionariam como elemento instigante ao olhar. Ora, as repetições, enquanto tais, privam o espectador de qualquer novidade. O contentamento com a história etérea e a personagem evasiva pode ser interpretado enquanto vaidade retórica, como nos casos em que a liberdade criativa é compreendida como direito a fazer o que quiser, quando quiser, sem prestar contas a quem quer que seja. Há certa forma de rebeldia indiferente na relação com o espectador, na construção dos personagens que importam pouco à trama (alguém percebe quando Francisco desaparece da festa?), de cenas que se estendem pelo prazer de se estenderem. O cinema de gênero sempre se construiu enquanto linguagem das sensações e da perturbação dos sentidos. Aqui, entretanto, a direção busca uma singularidade pela anestesia.

Talvez seja este o conceito curioso por trás de Terminal Praia Grande: entrecortar cenas de banalidade cotidiana com inserts típicos do cinema de horror, sem obrigá-los a se comunicarem. O filme constituiria, nesta hipótese, uma apropriação das ferramentas do terror na busca de evitar os efeitos do mesmo. Resta uma obra mais curiosa do que propriamente bem resolvida, tanto discursivamente quanto esteticamente. Planos de Catarina com o rosto parcialmente cortado por uma porta, diante da névoa das ruas, ou por trás das garrafas de um balcão de bar, soam como frivolidades. Em paralelo, a imagem de uma jovem negra de costas curvadas, ou de cinco amigos virando o rosto para o alto e encarando a câmera, beiram uma comicidade que o filme jamais abraça. Enquanto estranhamento, não há dúvidas que o projeto cumpre o seu papel. No entanto, qual seria o valor da não-naturalidade enquanto fim em si mesma? Quando tememos pela vida de um personagem, nos filmes de horror, nós o fazemos por o conhecermos, e nos identificarmos por ele de alguma maneira. Ora, a trajetória de Catarina soa como uma performance blasé. Estamos próximos da liberdade fragmentada do videoclipe, no sentido de buscar imagens de impacto, com pessoas posando para os enquadramentos, excessivamente maquiadas ou estranhamente sedutoras (o vestido branco preso nas plantas), sem uma construção de narrativa e linguagem que justifique este teor.

Filme visto online no 10º Cinefantasy – Festival Internacional de Cinema Fantástico, em setembro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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