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Crítica


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Sinopse

Selva, menina de 13 anos, mora com o avô e Elena. Em meio a rotina diária em casa, a conversa banal com amigos da escola, ela ocasionalmente recebe a visita de uma mulher que parece acolhe-la.

Crítica

Não são integralmente acessíveis os mundos habitados pela protagonista de Terra das Cinzas. Há a construção das conjunturas num clima de mistério nutrido pela rarefação. Do ponto de vista literal, sabe-se apenas que Selva (Smashleen Gutiérrez), adolescente de nome sugestivo, vive com o avô (Humberto Samuels) e a esposa deste, Elena (Hortensia Smith), com quem mantém uma relação oscilante, ora conflituosa, ora bastante afetuosa. Também a vemos rapidamente na escola, ensinando as demais alunas como se pratica um beijo na própria mão e flertando com o menino que considera seu namorado. No que tange à esfera metafórica/poética, há uma comunicação não menos evasiva com o mundo imaterial, vide os momentos em que o espírito de uma mulher (provavelmente da mãe) se manifesta para aplacar sua solidão, demonstrar solidariedade ou algo que o valha. A cineasta Sofia Quiros, portanto, não oferece uma entrada total nesses universos complementares.

O que sobressai em Terra das Cinzas é a interpretação de Smashleen Gutiérrez, especialmente pelo carisma com o qual constrói sua personagem. Porém, o caráter franciscano da narrativa está a serviço da tentativa, geralmente malsucedida, de criar uma aura de mistério ontológico emoldurando as circunstâncias. Há traços de um exotismo “para gringo ver” na forma como essas poucas figuras em cena se comunicam, como extraem significado de processos da natureza, tais como a víbora, um elemento constante. Primeiro, as cobras são mortas com a finalidade de render lucros numa possível venda a interessados. Segundo, os enterros simbólicos que supostamente oferecem uma ponte direta entre a natureza ambígua de um animal peçonhento que ataca quando se sente ameaçado e a própria concepção da personalidade da jovem aprendendo a sobreviver. Os fragmentos não se comunicam devidamente, sobretudo pela falta de habilidade da direção para integra-los.

Todavia, Terra das Cinzas parece fomentar a ininteligibilidade em função da perpetuação dos questionamentos, criando áreas nebulosas menos por vontade de escapar à mera exposição, mais em virtude da necessidade de inflar deliberadamente uma lógica imperscrutável. Sofia Quiros ambienta tudo numa cidade costeira do Caribe, não desenhando as tradições para além de uma fetichização latente, fazendo delas uma moeda de barganha, especialmente com os espectadores ávidos por rituais herméticos e representações de uma vida distante dos modelos mais reproduzidos. Há uma clara vontade de examinar a impetuosidade juvenil de Selva em contraste à fadiga que toma conta do semblante de seu avô. A camada supostamente menos superficial, mas escancarada de forma desajeitada, se fundamenta sobre as bases da comunicação entre a vida e a morte, no limiar que separa o egoísmo e o altruísmo, este quanto a ceder às duras vontades alheias.

Sofia Quiros convida a participar do cotidiano arrastado, no qual a impetuosidade de Selva é frequentemente posta à prova numa área praticamente inóspita, principalmente se levadas em consideração as pautas de sua juventude. Por exemplo, não é suficiente justapor o plano da menina na floresta e o destaque dado pela câmera à lua com o intuito de estabelecer uma esfera sublime, melancolicamente insondável. Uma vez que temos apreciações ligeiras das engrenagens do cotidiano de Selva, nesse itinerário que igualmente revela uma considerável falta de jeito para a distribuição de metáforas visuais, fica difícil se envolver com as demandas da garota prestes a ser deixada sozinha no mundo. Se há alguma força nas cenas familiares isso se dá pelo talento de Smashleen Gutiérrez, atriz obviamente esforçada para fazer jus às idiossincrasias da protagonista. Enquanto o filme “vende” essa atmosfera peculiar, perde chances de mergulhar nas ocasiões a partir dela e de justifica-la.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Chico Fireman
5
MÉDIA
4.5

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