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Sinopse

Ibrahim sofre de uma doença terminal e, quando sente que o fim se aproxima, pede que seu filho, Omer, o leve até uma árvore que plantou há mais de 50 anos. Chegando lá, contudo, Omer descobre que o pai pretende mesmo é ser enterrado ali. O problema é que o local agora está tomado por uma vila, e os habitantes acreditam que a árvore é sagrada e tem o poder de realizar desejos. Além de lidar com a morte iminente do pai, Omer precisa mediar a briga entre Ibrahim e o vilarejo, que não quer ceder a árvore.

Crítica

O que é mais sagrado: Deus o dinheiro? Ou ainda: a religião ou a propriedade privada? Nesta fábula turca, ambas se opõem através da história de Ibrahim (Haluk Bilginer), homem doente que sonha em ser enterrado junto à árvore que plantou há quase cinquenta anos. No entanto, ele descobre que o turismo tomou conta do local onde se venera a “Árvore de Noé”, supostamente plantada há quatro mil anos pela figura bíblica. Utilizar um local sagrado para finalidade pessoal seria um sacrilégio. Começa então o embate entre homens detentores da verdade, todos munidos de nobres intenções, e dispostos a fazer a guerra em nome de seus princípios. Se a ação soa exemplar demais, ela ocorre pelo fato de Terra Sagrada (2019) privilegiar o simbólico ao realista: os personagens valem pelos grupos sociais que representam.

O drama também busca aproximar pai e filho, que não se veem há décadas. Após a fuga do patriarca, que abandonou o garoto pequeno e a mãe dele, eles se reúnem para concretizar este último desejo. Para Omer (Ali Atay), o fato de enterrar o pai significa ao mesmo tempo cumprir os desejos deste, mas também resolver um trauma pessoal. O melhor aspecto do filme nasce do embate entre ambos, que nutrem simultaneamente afeto e repulsa um pelo outro. Embora a aproximação seja inevitável, e bastante previsível desde a primeira cena – não é esta, afinal, a vocação dos road movies entre pessoas diferentes? -, ela aborda com bastante sensibilidade as dores de dois homens adultos. Ambos os atores estão muito bem em seus papéis, oscilando entre a resiliência e o conformismo diante do embate com o vilarejo.

No entanto, Terra Sagrada decide oferecer algumas metáforas óbvias demais, além de inserir conflitos pouco orgânicos com a trama. Pai e filho recebem a visita constante do imã local, que nunca existe fora do quintal da casa de ambos. Omer está se divorciando da ex-esposa grávida que, mesmo evitando vê-lo, se desloca até a cidade distante para enfrentá-lo durante alguns minutos. A questão de paternidade seria evidente por si própria, no entanto o roteiro explicita em diálogos o fato de que Ibrahim é pai de Omer, mas também “pai da árvore” que plantou, e que no entanto foi “criada” pelos moradores locais. O pai é aquele que concebe, ou aquele que cria? Todos esses conflitos funcionam bem dentro da história, porém soam convenientes demais para o diretor Cenk Ertürk transmitir as mensagens desejadas.

Em alguns momentos, o projeto se aproxima do estilo de outro turco renomado, Nuri Bilge Ceylan. A paixão pelos diálogos, pelos conflitos familiares resolvidos em grandes planícies turcas poderia facilmente ter interessado o diretor de Sono de Inverno (2014) e Era uma Vez na Anatólia (2011). No entanto, Ertürk está longe do preciosismo estético de seu conterrâneo: por mais evidente que seja o prazer pelos enquadramentos bem estudados, ele trabalha com luzes pouco contrastadas dentro da cabana, não valoriza tanto os espaços (talvez pela insistência em filmar a Árvore de Noé em contraluz, como silhueta) e demonstra dificuldade com algumas passagens de tempo apressadas no terço final. Os diálogos, fundamentais ao desenvolvimento da trama, alternam belos momentos com referências menos orgânicas (a insistente citação a “O Idiota”, de Dostoievski). Ou seja, existe o germe de um enfrentamento humano nem sempre bem resolvido em termos cinematográficos.

Em alguns momentos, Terra Sagrada passa a questionar os limites entre justiça e vingança. Qual seria o direito de um acerto de contas, seja com pessoas, seja com o passado em geral? O embate é trabalhado através da metáfora constante da árvore, símbolo literal das raízes familiares, da perenidade, da natureza (terrestre e humana). Ao final, como prometido, o roteiro encontra alguma forma de reconforto a ambos os homens, apaziguando as suas dores. São curiosos estes filmes generosos que tratam suas aventuras como jornadas terapêuticas, prometendo a paz ao final caso aceitem enfrentar um mar de dificuldades. Os problemas sociais continuam os mesmos, apesar de Ibrahim e Omer, porém para eles, ao menos, o roteiro encontra alguma forma de otimismo. Depois de um começo abrangente, disposto a discutir grandes valores numa Turquia dividida entre tradição e modernidade, o filme se contenta com uma reparação pessoal, uma singela possibilidade de reconciliação.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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