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Sinopse

Em Terrifier 2, Art conhece uma garotinha assustadora ao parar numa lavanderia. Ele embarca numa jornada com a nova parceira. Essa dupla macabra passa a assombrar dois irmãos unidos por um passado doloroso que curtem o Halloween. O que esperar quando Art está à solta? Muito sangue e vísceras. Possui uma sequência.

Crítica

Os responsáveis pelo lançamento comercial de um filme de terror devem ficar muito contentes quando surgem notícias de que alguém vomitou, desmaiou e/ou foi retirado de alguma sessão numa ambulância. Assim, eles podem trabalhar o marketing com base na suposta radicalidade que repele alguns e funciona como chamariz eficiente para outros tantos. O burburinho em torno de Terrifier 2 cresceu nessa toada, com relatos de gente passando mal em sessões e de uns não aguentando ficar até o fim da matança promovida pelo palhaço Art (David Howard Thornton) na noite de Halloween. E o zum-zum-zum foi grande ao ponto de chamar a atenção para Terrifier (2016), antecessor com cara de filme amador que foi lançado sem alarde – no Brasil, ele está disponível em streaming. Fato é que as coisas já começam numa voltagem macabra nessa continuação bem superior ao original. Partindo exatamente do instante em que o longa-metragem anterior terminou, a sequência faz questão de deixar claro: esse palhaço aparentemente tocado pelo demo é uma entidade sobrenatural, a manifestação de um mal irracional que provavelmente não tem história pregressa. Afinal de contas, testemunhamos ele levantando da maca no necrotério e destroçando um funcionário do local. Há ainda nessa cena uma conexão entre o sarcasmo e os requintes de crueldade, vide Art fazendo graça em silêncio ao arrancar o olho de sua vítima e colocar no próprio globo ocular vazado por um tiro mortal.

Nessa passagem inicial fica evidente que estamos num terreno bem menos tosco e com mais recursos financeiros, isso em comparação a Terrifier. O cineasta Damien Leone deita e rola na crueldade ao fazer um uso interessante do som (que ele próprio desenha) para aumentar a repugnância dos instantes marcados pela violência. É também perceptível um toque “anos 1980” na trilha sonora assinada por Paul Wiley, provavelmente um modo de homenagear a década marcada pelo domínio do slasher como subgênero do horror bastante popular – nele é fundamental a existência de um assassino que utiliza objetos cortantes para atacar. Embora o filme logo salte para 2018, ou seja, um ano depois dos eventos que marcaram a produção original, essa influência oitentista é visível em outros departamentos. Por exemplo, na utilização de uma garota lutando com roupas mínimas contra um assassino que tenta brutalizar o seu corpo (típico da década citada). Há até brincadeiras com figuras macabras que rondavam o imaginário dos Estados Unidos um pouco antes, nos anos 1960/70, em meio à Guerra Fria, como Charles Manson e o Assassino do Zodíaco. Diferentemente de seu antecessor, que era uma sucessão de mortes intercaladas por momentos nada instigantes de relacionamento entre os personagens, a parte dois tem uma trama verdadeiramente acontecendo em meio à matança.

Art continua sendo a grande vedete, mas agora tem a companhia de uma versão infantil e feminina de si (interpretada por Amelie McLain). Não fica claro quem seria a garotinha visível para alguns e invisível para outros tantos, mas ela cumpre bem a função de ser uma espécie de escudeira bizarra que ajuda o vilão a colorir as estradas e as paredes alheias com o sangue das vítimas. Bem mais elaborado do que o do primeiro filme, o roteiro também assinado por Damien Leone contempla estratégias interessantes para potencializar o horror além das selvagens cenas em que os efeitos práticos são empregados para representar toda sorte de crueldades. Uma delas é a sugestão da onipotência do pensamento, técnica mapeada por Sigmund Freud (o pai da psicanálise) como uma das formas de gerar inquietação/estranhamento. Coisas dos sonhos da protagonista Sienna (Lauren LaVera) se manifestam na realidade e os desenhos de um suicida antecipam de modo premonitório Art e a sua senda de homicídios. E esses fatos indicam que Art realmente é uma figura sobrenatural contra a qual pouco se pode fazer no plano da realidade concreta e que talvez Sienna tenha uma ligação insuspeita com o seu algoz. Além disso, Damien demonstra habilidade ao investir na construção da expectativa que prepara os assassinatos.

Terrifier era uma coleção de mortes selvagens um tanto quanto rudimentar demais para ressoar fora dos círculos dedicados de fãs do horror. Já Terrifier 2 é evidentemente um salto qualitativo, por todos os motivos antes apresentados, mas também pelo horror atrelado a um senso humor macabro. E esse saldo ora amplifica, ora alivia um pouco a barra pesada das decapitações e do sangue jorrando. Por falar da agressividade, ela é mais bem elaborada e possui resultados melhores agora. Art arranca cabeças, serve doces em crânios ocos, chicoteia vítimas com bisturis e tesouras, explode a carne com tiros de grosso calibre e arremata tudo isso num cadáver sendo servido com a ceia do Halloween. Falando assim pode parecer que o filme configura uma experiência praticamente insuportável, o que está longe de ser verdade. Claro que os espectadores mais suscetíveis podem ficar enjoados de tantas vísceras e corpos mutilados, em virtude do acúmulo de crueldade encenada com deleite por um cineasta que evidentemente possui repertório de filmes do gênero para manusear como referência. No entanto, Damien não pretende criar uma sensação realista de brutalidade, evidentemente envolvendo a violência numa embalagem nostálgica. Os efeitos práticos ajudam o cineasta a ultrapassar os limites do bom gosto, mas com um claro aspecto de trucagem cinematográfica. Como à Sétima Arte tudo pode, Damien ainda tira da cartola um Deus Ex-Machina para reafirmar seu apreço pelo truque.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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