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Sinopse

Em Terrifier 3, após sair em uma onda de assassinatos em dois Halloweens, Art decide trocar de feriado. Agora, o palhaço monstruoso provocará o caos durante a noite de Natal. Sequência de Terrifier 2.

Crítica

Você compra sempre numa confeitaria pequena porque adora os produtos de lá. Mas tudo muda quando esse estabelecimento é adquirido por uma grande rede concorrente. Antes deliciosos, os doces passam a ter um gosto comum ou mesmo ruim. Isso acontece porque eles não fazem mais parte de uma operação artesanal pensada para públicos específicos, sendo então obrigados a atender expectativas de aumento de lucratividade às custas de algum sacrifício de qualidade. A metáfora talvez nem seja tão precisa para falar sobre Terrifier 3, afinal de contas o criador Damien Leone continua encabeçando o processo criativo e não cedeu às ofertas recebidas de grandes estúdios para co-financiar a segunda sequência das travessuras do macabro palhaço Art (David Howard Thornton). Mas, de toda maneira, é evidente que a terceira parte em longa-metragem foi feita o mais rápido possível para aproveitar o burburinho em torno do filme anterior – que era bem bom, mas foi enormemente alavancado por uma espertíssima campanha de marketing. Antes, Art era apenas um enigma vestido de palhaço que aterrorizava pessoas durante as festas de Halloween. Algo pequeno, restrito à vizinhança e que não contemplava muitas explicações. Quanto mais despropositados, mais inquietantes eram os assassinatos representados de maneira bastante gráfica. Mas agora ele virou uma coisa bem maior: imortal.

O cinema comporta tudo e Damien Leone não é a primeira pessoa, sequer na seara do horror, a mudar os planos e ressuscitar um personagem que deu ótimos retornos de bilheteria. Antes dele o nosso José Mojica Marins trouxe Zé do Caixão de volta dos mortos depois de mostrar o seu fim em À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964) – assim permitindo a sobrevivência da figura que caiu nas graças do público. No entanto, em Terrifier 3 o problema nem é a continuidade dessa ideia de Art tendo uma natureza sobrenatural, sendo capaz de sobreviver até a uma decapitação. O que faz desse longa-metragem uma viagem tétrica e decepcionante é a incapacidade de incomodar com as cenas de violência gráfica e a diluição do protagonista numa trama repleta de subtramas pouco produtivas. Apostando de modo ineficiente na não linearidade, o cineasta mostra o palhaço encontrando outra cabeça para chamar de sua a fim de continuar a sina de matanças por aí. Ele agora tem a companhia da igualmente repugnante Victoria (Samantha Scaffidi), um corpo deformado e possuído por um espírito maligno e obsessor. Podemos imaginar uma versão demoníaca do Coringa e da Arlequina? Sim, mas nem de longe é isso o que acontece. Damien Leone frequentemente perde esses personagens de vista, sobretudo quando começa a desenhar o retorno de Sienna (Lauren LaVera), a final girl de papel essencial em Terrifier 2 (2023).

Terrifier 3 é um amontoado de desperdícios. Enquanto arquiteta aos trancos e barrancos o trauma de Sienna, usando e abusando de lugares-comuns relativos à inadequação da traumatizada no seio da família que lhe oferece suporte emocional, Damien Leone mostra uma série de vinhetas de Art fazendo estrepolias medonhas. Pela estrutura do roteiro assinado pelo próprio Leone, esses dois personagens certamente se encontrarão em mais um ponto convergente de suas existências. Porém, o filme fica cozinhando ambos em banho-maria até isso acontecer. As cenas de Sienna com os tios e a prima admiradora são pouco eficientes do ponto de vista dramático, mesmo como antecipação de algo ruim que está por vir. Já ao observar Art, o realizador não é muito menos burocrático, pois ele acredita que basta colecionar imagens repugnantes (e mal filmadas) para colocar o espectador em estado de suspense. O longa contém alusões pontuais a clássicos do horror, como Psicose (1960) – Art sentado como se fosse a mãe mumificada de Norman Bates – e O Iluminado (1980) –o palhaço rompendo uma porta com o seu machado enquanto uma mulher grita desesperadamente por sua vida. No entanto, as piscadas ao público são estritamente uma demonstração de admiração e nada mais. Há momentos em que a trama fica empacada, fruto da dificuldade de criar instantes interessantes.

Depois da sequência inicial com Art trucidando uma família, Damien Leone abre a caixa de ferramentas e apresenta o seu costumeiro repertório grotesco. Crianças desmembradas e carbonizadas, pessoas lentamente evisceradas e fracionadas, gente congelada com nitrogênio líquido e depois literalmente quebrada, etc. Isso é apenas parte do cardápio de brutalidades. E como pode um diretor conseguir nos deixar indiferentes diante de tantas imagens supostamente chocantes? Como pode alguém filmar um assassinato com enorme carga de selvageria e ainda por cima não conseguir mexer com a sensibilidade da plateia? Terrifier 3 falha, inclusive, ao tentar quebrar a expectativa da ternura do Natal com a ação desenfreada de Art e, na mesma toada, fica próximo de ser involuntariamente risível ao utilizar ícones religiosos (um cadáver crucificado, a coroa de espinhos de Jesus, etc.). Pouca coisa funciona nesse filme da saga que teve origem numa simpática realização de baixíssimo orçamento (e qualidade duvidosa) e prosseguiu com a produção melhor que soube aproveitar os esforços de seu departamento de marketing para se estabelecer no imaginário coletivo. Voltando à comparação com a confeitaria artesanal que perde qualidade ao virar parte do portifólio de uma rede, mesmo sem o selo de grandes empresas, o filme se tornou vítima das expectativas que têm mais a ver com o mercado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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