Crítica
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Crítica
É longa a tradição de palhaços macabros no cinema. Aproveitando-se inclusive da existência de uma fobia dessas figuras que deveriam ser divertidas (chamada de coulrofobia), os realizadores afeitos ao terror frequentemente colocam homens fantasiados de clowns cometendo enormes atrocidades. É exatamente o que faz o cineasta Damien Leone com Art (David Howard Thornton), personagem que surge em cena como a manifestação macabra do mal numa noite de Halloween em Terrifier. Aliás, estamos diante de um daqueles exemplos de protagonista maior do que o filme. O palhaço homicida é mais impactante e inesquecível do que a trama frouxa do longa-metragem que não consegue, ao menos, segurar a expectativa da plateia. Ele salva a lavoura. A história mostra duas jovens, Tara (Jenna Kanell) e Victoria (Samantha Scaffidi), transitando embriagadas pela madrugada de sua cidade durante a celebração do Dia das Bruxas. Em determinado momento, elas se deparam com um tipo que parece o Pierrot atentado pelo satanás, com roupa alvinegra e maquiagem assustadora. Ele não fala, apenas exibe um sorriso ameaçador e a obsessão pelas pernas desnudas de Tara. Mas, antes de os corpos femininos se tornarem alvo da sanha assassina de Art, ele brutaliza atendentes de uma pizzaria. As próteses e a maquiagem indicam a natureza de filme B, com a imaginação compensando falta de dinheiro.
Para aquele leitor mais ansioso por uma sentença, lá vai: Terrifier não é um filme bom. Ele não tem uma atmosfera condizente com o impacto visual da existência de Art. A direção de Damien Leone não imprime tensão nos momentos de expectativa, o que faz do longa-metragem, às vezes, uma tediosa espera entre os assassinatos mostrados em toda a sua brutalidade. Há uma previsibilidade incômoda na forma como o roteiro assinado por Leone traça o caminho para a morte selvagem dos personagens. Guardadas as devidas proporções, é algo semelhante ao que aconteceu na Saga Jogos Mortais com o passar do tempo: o fiapo de história vira uma desculpa esfarrapada para os criadores exibirem a sua criatividade relativa às mortes. Tanto que aqui a filmagem não consegue esconder certos rudimentos, o que a faz ter um jeitão de produção amadora, vide transições desajeitadas, interpretações nada convincentes ou mesmo o desleixo com a humanidade que precisaria ser minimamente valorizada para que posteriormente sentíssemos emocionalmente a sua perda. Parece que o realizador estava fazendo um filme de intenções, talvez almejando um sucesso moderado que o permitisse alçar voos maiores com um pouco mais de respaldo financeiro numa continuação. De qualquer forma, é uma pena que ele não consiga utilizar os tantos ruídos e a precariedade como valiosos atributos de linguagem.
Em meio ao sangue escorrendo e às vísceras sendo expostas, como se o vilão estripasse um animal, quem se destaca é David Howard Thornton. O ator utiliza o repertório adquirido com o trabalho anterior no campo da mímica (obrigado, Google, pela informação) para construir um palhaço realmente memorável. Ele é a encarnação visceral de um mal desumano. Claro que a maquiagem assinada por Elisa Vecchio é fundamental para o impacto visual dessa figura, mas o que mais torna o personagem ameaçador é a sua corporalidade. O ator transforma Art numa advertência ambulante sobre os perigos que espreitam as sérias candidatas a vítimas. Ele se move com a precisão de um mímico, se precipita sobre as pessoas indefesas de modo agressivo tão logo seja necessário mostrar a capacidade destrutiva desse personagem que não é encarado como um humano. Art está mais para manifestação aberrante do mal que não se pode vencer. O mistério faz parte dessa mitologia, pois não há informações sobre quem é o homem por baixo daquela fantasia. O que importa é o personagem e a sua sede de sangue, a implacabilidade da intenção assassina. Portanto, mesmo que o filme seja quase completamente desprovido de uma tensão entre as mortes, o trabalho de David Howard Thornton se encarrega de, ao menos, fazer de Art um palhaço que inspira medo. Assim, essa produção B tem um bom motivo para existir.
Agora vamos falar das mortes. Em Terrifier, elas são as principais vedetes (excetuando, Art, o palhaço, claro). Damien Leone se deleita ao criar situações propícias para assassinatos violentos em que o corpo é tratado como constructo a ser demolido por uma força irracional. Uma pena que o cineasta novamente desperdice as potencialidades dessa textura grosseira da maquiagem (claramente artificial), sem extrair disso uma sensação adicional de estranhamento a serviço da inquietação. Por exemplo, quando o canadense David Cronenberg utiliza próteses e outros artifícios para mostrar cabeças explodindo e monstros nascendo, a viscosidade e mesmo esse amadorismo é sublinhado como um gatilho de grande repulsa. Aqui, a sensação simplesmente não existe, porque Damien está mais preocupado com o efeito imediato das brutalidades, tais como rasgar o corpo de uma mulher ao meio com a utilização de uma serra. Talvez esteja justamente aí o problema da direção: não se preocupar com a durabilidade do impacto das nojeiras, mas apenas com a sua repercussão imediata e ligeira. De todo modo, entre mortos e feridos, temos uma viagem que valoriza o grotesco, ambientada em cenários sujos e repletos de ferrugem, um homem que personifica a sua insanidade como um palhaço assustador, além da convenção bastante ultrapassada da mulher como vítima perfeita de um homicida do gênero terror. Mesmo com todos os problemas e não sendo necessariamente bom, o filme possui Art.
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