Crítica
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Sinopse
Um dos principais DJs da cena periférica da cidade de São Paulo, DJ K está na companhia de MC Zero K, alguém que acaba de emplacar o seu primeiro grande sucesso na cena dos bailes funk da quebrada paulistana.
Crítica
O primeiro mérito de Terror Mandelão é a visibilidade que ele confere ao Funk Mandelão, subgênero musical derivado do eletrofunk e do funk ousadia, vetor de uma cena cultural singular e pujante das periferias de São Paulo. No entanto, os cineastas Felipe Larozza e GG Albuquerque não prezam por um percurso informativo e didático, a isso preferindo um passeio ousado e livre pelos componentes e personagens desse movimento. Embora o longa-metragem contenha noções e elementos em quantidade suficiente para compreendermos o funcionamento dessa cena artístico-cultural que arregimenta multidões nas festas em comunidades suburbanas, o método dos realizadores é bem mais celebratório do que jornalístico. O que é ótimo, pois essa narrativa rompe com um dos modelos mais comuns do documentário, exatamente aquele que coloca o esclarecimento em primeiro lugar. Tampouco há uma tese a ser apresentada, debatida e discutida por agentes internos e externos para se chegar a diagnósticos simplistas. O esforço bem-sucedido é para evidenciar um braço da cultura criativa que, por existir em áreas carentes, é marginalizado e/ou pouco disseminado para além de certas bolhas. Os personagens principais desse mergulho no Funk Mandelão são o DJ K e o MC Zero K, jovens que compõem diariamente e encaram os desafios a fim de aproveitar as oportunidades num filão marcado pelo dinamismo.
Terror Mandelão, definitivamente, não é um filme formalmente conformado com os modelos tradicionais, podendo ser classificado mais como uma experiência de imersão. Em conformidade com o ímpeto criativo dos DJs e MCs do Mandelão, Felipe Larozza e GG Albuquerque quebram constantemente as expectativas, às vezes interrompendo fluxos narrativos abruptamente em prol de uma construção assumidamente cacofônica e acelerada. Então, não há pudores em saltar da entrevista de moles clássicos, ou do vislumbre relativamente comum de um sujeito falando sobre o seu corre diário, para alguém dialogando diretamente com a câmera ao ensinar os passinhos mais reproduzidos nos bailes de paredão. Os cineastas não estão preocupados com o estudo do painel sociológico representado por essa expressão artística, com isso deixando muito clara a proximidade que eles próprios têm com a cena do Mandelão. Assim, não existe aquele olhar curioso de fora para dentro que captura fenômenos como peculiaridades fascinantes. Como o ponto de vista é semelhante ao dos personagens e frequentadores, a produção não tem aquela cara de panorama construídoa a partir da descoberta de algo interessante por ser exótico. Provavelmente, caso o mesmo roteiro fosse seguido por alguém completamente alheio a esse fenômeno cultural, ele seria utilizado para apresentar teses sobre a arte como antídoto à miséria.
Felipe Larozza e GG Albuquerque possuem um ponto de vista mais integrado àquela cena toda, do qual nasce a revigorante sensação de “filme feito pelos nossos”. Mesmo que se negue a ser meramente informativo, Terror Mandelão oferece subsídios suficientes para a plateia leiga conhecer um pouco desse fenômeno cultural rico, capaz de apresentar um sem número de músicas populares e que, aos poucos, começa a furar bolhas se transformando em produto de exportação. Ao acompanharem de perto a trajetória do DJ K, os realizadores tocam em assuntos relevantes, mas nunca permitem que eles subjuguem o principal: a exaltação de uma estética alimentada por jovens que trabalham arduamente em suas produtoras caseiras. A descoberta do rapaz empreendedor e periférico por um europeu que espera contratá-lo para shows no Velho Continente traz consigo a noção da ascensão social por meio da arte. Da mesma forma, o comentário a respeito das restrições da mãe religiosa às letras repletas de palavrões e alusões a atos sexuais permite a compreensão sobre a convivência de vozes na comunidade. Esse espaço ora encontra na música, ora na religiosidade suas áreas de lazer e escape. Mas, toda a vez em que um tema ameaça tomar de assalto o filme, os diretores tratam de fazer uma curva rumo a outro lugar, assim evitando que as particularidades sejam mais do que os indícios de um todo.
Selecionado para a Mostra Olhos Livres da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme combina bem documentário, performances e experimentações visuais alinhadas à estética do Mandelão. Mesmo que investigue pouco a assinatura bruxaria do Mandelão, com isso deixando de valorizar ainda mais a autoralidade de DJ K e sua ascensão, Terror Mandelão é uma experiência realmente imersiva. Isso por conta da articulação das imagens e dos sons que nos colocam em contato com um universo embalado por músicas vibrantes, letras de alto teor sexual, batidas marcantes e a orgulho da estética da periferia. Diferentemente dos artistas populares que ostentam itens de luxo e se gabam dos milhares de reais gastos em bens de consumo que visam simbolizar sucesso, os do Mandelão não demonstram qualquer vergonha em afirmar a falsificação das correntes pesadas que carregam no pescoço. Tampouco esses jovens criativos se fazem de rogados diante das adversidades financeiras, arregaçando as mangas para cuidar dos seus. De certa forma, o filme também é um elogio ao esforço de trabalho quase incessante que movimenta a economia criativa local e surge como opção de carreira. E, embora não seja dado a teses sociológicas sobre uma fatia desfavorecida da população, ele imprime um retrato vibrante desse cenário em que praticamente tudo, da estética à putaria, afronta o “bom gosto” e por isso segue marginalizado.
Filme visto na 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2024.
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