Sinopse
Crítica
Antes mesmo que um sequestro balance as estruturas das cercanias, há a deflagração de uma série de pequenas crises em Tesnota, filme de entrelinhas. É nelas que boa parte das violências cotidianas emerge gradativamente, com o foco se estreitando em Ilana (Darya Zhovnar), jovem que destoa dos padrões comportamentais esperados, especialmente, na comunidade russo-judaica em que está inserida. Contrariando as expectativas, ela prefere ficar ao lado do pai na oficina mecânica, vestida com macacão, suja de graxa o dia todo, a alinhar-se ao papel que a tradição lhe reserva. Todavia, não é rasgada essa investigação da opressão, exatamente porque a narrativa privilegia as filigranas, os não ditos, instantes em que o silêncio expressa bem mais que a gritaria. Sufocando os personagens numa imagem quadrada, o cineasta Kantemir Balagov cria um percurso caudaloso, nem sempre fácil de acompanhar/digerir, mas que apresenta várias qualidades, sendo uma delas o olhar terno em meio à aridez.
Enquanto a referência paterna da família é acolhedora, a materna funda-se na rigidez, é castradora, muito ocasionalmente demonstrando afeto e/ou felicidade. Adina (Olga Dragunova) é esposa devotada, mãe preocupada, delineada como resultado dos costumes que ameaçam a individualidade de sua filha. Tamanha a brutalidade do meio, que justamente a progenitora é a figura mais acintosa nas cobranças de uma postura adequada aos padrões. O rapto do filho mais novo lança ainda mais luz sobre essa mulher de pouquíssimas palavras, ensimesmada até no seio do lar. Seu contraponto é Illana, representante de uma juventude que chega a cometer erros em virtude do desespero para desacomodar-se. O realizador incorre em repetições e reforços desnecessários, mas demonstra o ímpeto de pintar um painel afetuoso, íntimo, e, concomitantemente, social, pois traz à baila questões de ordem global, como a dificuldade de simples convivência entre grupos étnicos/religiosos antagônicos.
Tesnota se alimenta da tensão gerada entre seus personagens, oferecendo parcimoniosamente informações contextuais, nem sempre as explorando profundamente. É mencionada a constante troca de residência da família, talvez como referência direta ao próprio êxodo judaico, mas sem uma explicação do que leva esse grupo a deslocar-se frequentemente. Illana se relaciona com um homem que transita num meio diametralmente oposto ao seu, mas o filme não centraliza essa suposta incompatibilidade, senão como mais um dos sintomas do mal estar predominante. No que tange especificamente ao sequestro, ele é instrumentalizado para extrair determinadas hipocrisias daquela comunidade judaica que se proclama solidária, porém sem prejudicar a heterogeneidade. Enquanto alguns ajudam como podem, outros se aproveitam, tentando capitalizar sobre o desespero alheio, barganhando com a vida para obter vantagem.
Se esforçando visível e habilmente para não fazer das pessoas cascas bidimensionais, Kantemir Balagov aposta num itinerário duro, minucioso na sua aparente espontaneidade, decerto penoso, mas denso o suficiente para que entendamos, em linhas gerais, as contendas seculares que agigantam as barreiras interpostas entre os personagens e seus desejos. No que concerne ao elenco, destacam-se duas forças. A primeira, a de Darya Zhovnar, como essa garota que luta bravamente contra um sistema teimoso em tolher sua individualidade, principalmente quando preterida em função da integridade física do irmão. A segunda, a de Olga Dragunova, que, como Adina, transita por caminhos opostos, ou seja, reproduz os postulados que a tornam, inclusive, praticamente insensível à luta da filha, expondo, assim, a sua tragédia. Portanto, duas mulheres afetadas por guerras travadas pelos homens, por códigos de conduta feitos para destacar a masculinidade. A obviedade de colocar David (Veniamin Kac) como prioridade é um sinal claro desse sacrifício feminino.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 7 |
Francisco Carbone | 9 |
Wallace Andrioli | 7 |
Leonardo Ribeiro | 8 |
Bianca Zasso | 9 |
MÉDIA | 8 |
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