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Sinopse

Vitório, cego de nascença, é dono de uma pizzaria herdada por seu pai no tradicional bairro do Bixiga, em São Paulo, e é considerado famoso por oferecer a melhor pizza dos arredores. Vivendo uma vida feliz com a mulher Clarice e a filha Alícia, ele sente que superou todas as dificuldades da cegueira e deu a volta por cima. Mas, ao descobrir que existe a possibilidade de enxergar, Vitório inicia um conflito consigo mesmo e vai precisar tomar uma grande decisão.

Crítica

O protagonista de Teu Mundo Não Cabe Nos Meus Olhos é Vitório (Edson Celulari), corintiano "doente" e dono de uma pizzaria tipicamente italiana do bairro do Bixiga, em São Paulo. Cego desde muito jovem, ele compensa a deficiência com uma sensibilidade aguçada em outros departamentos, inclusive o gastronômico, por exemplo, sabendo exatamente o ponto da massa apenas pelo tato e olfato, entre demais habilidades especiais. O fiel escudeiro, Cleomar (Leonardo Machado), funciona como seus olhos no salão e fora dele, nas ruas. Todo esse preâmbulo, cuja função é apresentar a conjuntura em que o longa-metragem se desenvolverá, acontece de maneira acidentada, o que denota prontamente a dificuldade do cineasta Paulo Nascimento para lidar com determinadas coisas, dramática e instrumentalmente falando. Sintoma disso, a nossa ciência exata do local apenas a partir da menção de um coadjuvante. A sinalização do descontentamento do ajudante colorado com a balbúrdia dos clientes gremistas aponta, erroneamente, a uma possível ambientação porto-alegrense.

O tom errático das contextualizações também se aplica ao vínculo de certos personagens. Clarice (Soledad Villamil) é a mulher que cuida do caixa do estabelecimento, observando atentamente o patrão com olhar romântico. Passado um tempo considerável, outra menção meramente explicativa a situa como esposa de Vitório. Ainda no processo de descoberta, a falta de organicidade das relações nos leva a duvidar que a argentina radicada no Brasil seja mãe de Alicia (Giovana Echeverria), pois elas interagem friamente. É uma falha de encenação, não de concepção. Mais um esclarecimento verbal, e está configurado o vínculo sanguíneo. Teu Mundo Não Cabe Nos Meus Olhos, não dispondo de uma linguagem criativa, necessita de diálogos "mastigando" constantemente ações e reações. Não ajuda muito o caráter engessado de algumas pessoas, especialmente o da esposa que se torna parte imprescindível do dado central da trama. Por amor, ela insiste para Vitório se submeter ao procedimento revolucionário com grandes possibilidades de devolver-lhe a visão.

Para se focar no drama singular desse homem que, ao contrário dos prognósticos, não consegue se adaptar novamente a enxergar, Paulo Nascimento sufoca o entorno, por exemplo, restringindo a participação do antes imprescindível Cleomar a pitacos ocasionais. Em semelhante medida, cresce o tempo de Alicia na tela, o que depõe contra o todo, uma vez que a filha é desenhada como alguém quase totalmente antipática, incapaz de expressar qualquer complexidade, dona de comportamentos elitistas e de enfado diante das solicitações diárias do pai. Teu Mundo Não Cabe Nos Meus Olhos vai se perdendo gradativamente, vitimado por diálogos fracos, uns deles sofríveis – como quando o protagonista, sisudo, diz à esposa, em meio a uma discussão: “você é capaz até de estragar um 3X0 do Corinthians” – e uma coleção de procedimentos que visam consolidar (enfiar goela abaixo?) a mensagem de que o essencial é invisível aos olhos. Sem habilidade para dosar os componentes do melodrama, o realizador cria um filme sentimentalista e que navega no banal.

Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos é debilitado, ainda, pela construção de Clarice, menos demérito do trabalho de Soledad Villamil, mais do condicionamento do roteiro e, também, da decupagem que privilegia closes geralmente desajeitados e gratuitos, ângulos que, aqui, reforçam apenas o superficial. Ela é uma companheira completamente devotada ao marido, cujo sacrifício pessoal é, novamente, desenhado pelo filme através da constatação de um terceiro. A Clarice cabe, dentro da trama, apenas reclamar, demonstrar ocasionalmente descontentamento e, finalmente, resignar-se, pelo bem do final feliz (a cena do "que nota você me dá?" é constrangedora). No que tange à Vitório, é absolutamente legítimo o seu dilema, mas o mesmo não pode ser dito da maneira simplória como Paulo Nascimento trata temas complexos, tais como as implicações, de tantas ordens, da mudança de perspectiva a alguém convidado a perceber o mundo de outra maneira. Não se objeta a resolução, o retrocesso ao ponto da felicidade do protagonista, mas a afetação da lição de moral.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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