Crítica
Leitores
Sinopse
Amélia ainda não superou a morte do marido. Diante do filho pequeno, tem dificuldades para amar. O garoto sonha diariamente com um monstro que adiante ele reconhece imediatamente ao folhear um livro. Começa o desespero.
Crítica
Este é o primeiro longa-metragem dirigido por Jennifer Kent, baseado em um curta também de sua autoria e intitulado Monster (2005). Os poucos personagens, uma história focada muito mais neles do que nas explicações, quase que apenas um cenário e atores desconhecidos são elementos que denunciam neste O Babadook a simplicidade de um primeiro grande projeto de pequeno orçamento, que de um outro ponto de vista contradiz a falta de experiência da realizadora e se apresenta como um filme maduro e estudado, dono de uma montagem econômica e de uma condução calcada nos velhos truques práticos de filmagem, permeando-se de um tom tátil e, por isso mesmo, assustador.
A trama começa com o que poderia ser um decepcionante tropeço ao apostar em uma sequência de pesadelo para servir de prólogo, um clichê tão aborrecido e pobre quanto as insistentes narrações em off que servem apenas para contextualizar rápida e pedestremente uma situação que os cineastas tem preguiça de incluir no roteiro e no desenvolvimento de seus personagens. Kent, porém, entende o risco com que está lidando e trata a cena de maneira sensorial, tornado-a misteriosa e assim, menos uma muleta de roteiro do que um início instigante. Segue depois disso em uma estrutura claramente pensada desde os primeiros passos – mais um ponto positivo seu, uma vez que realizadores parecem raramente se preocupar com o quesito de pós-produção – que de um take filmado de dentro de um armário encarando os protagonistas, mãe e o filho, pula para outro similar feito debaixo de uma cama, deixando clara em sua justaposição a rotina da dupla, que envolve verificar os possíveis esconderijos do “monstro” alardeado pelo menino todas as manhãs.
Algo que só piora depois que ele, Samuel (Noah Wiseman), encontra um livro sobre o tal do Babadook. “If it’s in a word or it’s in a look, you can’t get rid of the Babadook”, conta o tomo quando Amelia (Essie Davis) se põe a lê-lo, logo se encontrando amaldiçoada. Viúva e mãe solteira, a enfermeira lida com o filho problemático e pouco sociável, fazendo disso uma tarefa diária. Afinal, ao defendê-lo de seus temores vai aos poucos se afastando de seu trabalho, da irmã e de qualquer outra pessoa, isolando a si mesma e a ele cada vez mais em sua casa escura e sombria.
Se existe o conceito de corte cômico, quando uma cena na qual alguém diz, por exemplo, “eu jamais comeria caranguejos” é seguida imediatamente por outra que mostra o mesmo personagem comendo os tais caranguejos, aqui a novata realizadora investe a fundo naquilo que poderíamos chamar de corte calafrio; Kent vai de uma sequência a outra bruscamente retirando o terror curiosamente não da preparação de um susto, mas da objetividade com que chega a um momento assustador: Samuel sobe muito alto em um brinquedo no parque, corta, Amelia e sua irmã se assustam ao perceber isso, corta, Amelia está dirigindo impaciente para casa com Samuel gritando inconsolável no banco de trás. É o crescente da situação culminada nos berros de “Mamãe! Mamãe!” do garoto que assustam não só pela repentina inserção como pela constatação de que eles são de desespero por uma credibilidade negada por ela. Susto retirado não da aparição de um espírito no espelho ou de uma visão no escuro, mas da simples relação humana entre mãe e filho. É econômico do ponto de vista técnico, algo essencial em um projeto de tais condições, e também eficiente no que diz respeito à narrativa.
Importante para a sustentação da trama, à relação entre Davis e Wiseman é dada especial atenção, e é preciso observar o cuidado com que a primeira tem ao encarnar uma mulher que tem no filho um problema e um trauma assim como a principal razão de sua felicidade. Assim, ao tentar dormir com ele, a mulher se afasta gradativamente para a beirada da cama, dando-lhe as costas, mas não sem esboçar uma carranca de dor por ter que fazê-lo. Afinal, é essencial que nos importemos tanto com ela quanto com Samuel, apesar de suas latentes características apáticas; a maneira gritona e teimosa da criança, e a frieza da enfermeira. O jovem Noha, aliás, também faz bonito e, quando quer convencer de que está assustado, é tão eficiente que seu medo se estende com facilidade para o espectador, como na sequência em que ele vê algo dentro do carro que nenhum de nós, nem mesmo Amelia, consegue ver, e Kent sabiamente se foca na reação do menino.
O filme, claro, aprofunda-se em uma trama sobrenatural, criando um terceiro ato tenso, principalmente graças às ótimas performances da dupla protagonista. Mas é importante notar como qualquer explicação nos é negada – ou melhor, poupada – já que, como o plano que encerra o longa-metragem prova, O Babadook é sobre o processo de perdão entre a mãe, Amelia, e seu filho, Samuel. O que mais nos aterroriza não é o bicho papão que assoma os personagens, mas o medo, e a irracionalidade vinda desse, dentro de uma relação que antes de tudo deveria ser de amor incondicional, ponto que Jennifer Kent também ilustra em outro corte elegantemente sensível e belo entre as reações idênticas dos dois, mãe e filho, se escondendo embaixo dos cobertores. O monstro aqui é o MacGuffin de Hitchcock, um catalisador para o que realmente assusta: a possibilidade da destruição do amor materno.
Últimos artigos deYuri Correa (Ver Tudo)
- Os 70 anos de Os Sapatinhos Vermelhos - 8 de setembro de 2018
- Cargo - 12 de junho de 2018
- Roxanne Roxanne - 5 de junho de 2018
Deixe um comentário