Crítica
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Sinopse
Quando a família de uma senhora de idade já bem adiantada descobre que ela possui apenas mais alguns meses de vida, seus integrantes decidem não informá-la a respeito do diagnóstico. Em vez disso, seus filhos e netos tentam arranjar um casamento de última hora para que todos os parentes mais distantes possam vê-la por uma última vez, sem que ninguém saiba o que está acontecendo de verdade.
Crítica
Não é raro um cineasta se basear em experiências pessoais ao realizar um novo filme, por vezes escancarando não só o coração mas, também, feridas. É o que faz a diretora e roteirista e produtora Lulu Wang em seu A Despedida, mesclando inglês, mandarim e uma pitada de japonês para trazer às telonas a história de sua própria família, quando optou por ocultar da avó que ela tinha poucos meses de vida, devido a um câncer terminal. É esta a "mentira verídica", apregoada logo na primeira imagem do longa-metragem, de forma a trazer uma certa leveza a um tema bastante complexo.
Equilibrar tais nuances emocionais é o grande mérito de Wang, que foge do recurso fácil de tornar sua história um tremendo dramalhão. Motivos para tanto não faltam, devido ao contexto da farsa coletiva mantida dia após dia, inclusive no convívio com a própria avó, e também pela atuação contagiante de Shuzhen Zhao, a solar Nai Nai, de longe a melhor do vasto elenco. A própria escolha de Awkwafina como protagonista busca também tal equilíbrio, se valendo de sua persona sarcástica e debochada, tantas vezes já vista em outros filmes, para situar a narrativa. Aqui, ela até ensaia recorrer aos seus cacoetes característicos antes de ser realmente desafiada com uma personagem que precisa conter a emoção latente. Afinal de contas, por mais que todos tenham concordado com a mentira coletiva, a verdade é como um elefante na sala, impossível de ser ignorada mesmo que intencionalmente evitada.
Com uma história de forte apelo emocional em mãos, Wang conduz a narrativa de forma bastante sóbria: a câmera quase sempre é estática, com exceção de uma sequência de embriaguez em plena festa; a trilha sonora por vezes é recolhida, transmitindo (e potencializando) o respeito à dor alheia; as transições são suaves e pausadas, em uma edição sem qualquer arroubo. A diretora ainda aproveita a oportunidade para estabelecer um interessante paralelo entre as gerações aqui representadas, mais até através da postura corporal do que propriamente pelos diálogos. Basta conferir o jovem Bao, garoto em torno de 13 anos que possui uma única fala durante todo o filme, sempre representado com o rosto colado ao celular como se estivesse alheio ao mundo ao redor - representação precisa desta faixa etária no mundo contemporâneo.
Não é só. Do piercing de Awkwafina ao desinteresse inerente por certas tradições locais, pode-se ver nesta família ao menos parte das transformações pelas quais a própria China passou nas últimas décadas. Muito habilmente, Wang insere pontuações aqui e ali, como a nova construção que surge do nada ou mesmo o sonho do enriquecimento nos Estados Unidos contrastado com o fato que, nos dias atuais, a própria China é a segunda maior economia mundial, possibilitando que também seus cidadãos enriqueçam. Não há, entretanto, qualquer conotação política; Wang deseja olhar para as transformações sociais, apenas. Para esta história, funciona.
Bem realizado e com um elenco coeso, A Despedida é um filme que cativa pela sua simplicidade singela, representada em personagens profundamente humanos e facilmente reconhecíveis a qualquer um que já tenha vivenciado o luto. Entretanto, mais interessante que a história em si são as entrelinhas espalhadas por sua roteirista, de forma a refletir indiretamente sobre a China atual, também devido ao dúbio plot twist que o filme entrega em sua sequência derradeira.
Filme visto em Portugal, em janeiro de 2020.
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